quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

PODER POLÍTICO DOS SUPER RICOS IV - A VIOLÊNCIA II

A Globo novamente chama os militares, chamados pela quadrilha do Temer.



                                                             Imagem publicada no Tijolaço. Vale a pena ler o post

Como nas décadas de 1950 e 1960, as forças da reação estão prontas para escalar a violência do estado contra os mais pobres.

As reportagens que mostravam assaltos violentos como se estivesse havendo um pico excepcional dessas ocorrências no Rio de Janeiro (não estava) coincidiram com a constatação que há um impasse relativo às eleições para a presidência em outubro próximo. Eles - as forças representadas pelo Partido Neoliberal - estão sem saber o que fazer para manter o golpismo no poder sem essa perturbação de eleições.

Na escalada de manifestações dos setores protofascistas da classe média a partir de 2013, a alternativa de ditadura militar sempre esteve presente. Afinal de contas, não houve mudança na doutrina e na atitude dos militares brasileiros depois do período claramente ditatorial de 1964 a 1985.

Houve um recuo, influenciado pelos Estados Unidos, que não gostaram de iniciativas nacionalistas do governo Geisel, e que possibilitaram a volta, ainda que precária, a um regime constitucional. Hoje, o império está por trás de movimentos subversivos e golpistas em todo o mundo visando derrubar governos que possam agir em desacordo com a sua estratégia de dominação global. 

Os militares brasileiros, cuja maioria é influenciada pelos Estados Unidos, que sempre os proveram de armas, treinamento (inclusive sobre torturas) e doutrinas, aparentemente não possuem uma doutrina de defesa da nação brasileira. A única doutrina conhecida pelo público é a Doutrina de Segurança Nacional, gerada em Washington para uso dos regimes clientes, e que convenientemente sempre alienou os militares nacionalistas, minoritários. 

Juízes, policiais e procuradores não têm conseguido dar legitimidade ao golpe perante grande parte da população. A instituição militar, que sempre foi poupada pela mídia, está em condições de ser ungida ao poder como a menos rejeitada pela população. Iniciativas como o programa do submarino nuclear brasileiro - golpeada com a condenação do almirante Othon Pinheiro da Silva, e da fabricação do caça brasileiro em conjunto com a empresa sueca Grippen, que teria propiciado a criação de um parque industrial associado, estão sendo abandonadas, sem protestos audíveis pelos militares. 

Estes retomam a atividade que mais tem ocupado as forças armadas dos países latino americanos ao longo da história, a de reprimir civis desarmados, os chamados alvos macios. A pobreza em crescimento com o desemprego e as "reformas trabalhistas" que visam baixar os salários reais, o sucateamento dos serviços públicos como saúde, educação e segurança pública, além de aprofundar a desigualdade, desagregam a população. Marginalizam-se os jovens, dos quais parte inevitavelmente adere a atividades ilícitas e à violência. 

Aí então, pela enésima vez, faz-se escalar a violência oficial. No caso, começam a aplicar métodos de exército de ocupação, similares aos dos apartheid sul-africano e israelense, cercando as favelas e outras comunidades carentes, e exigindo documentos às pessoas. Humilhando e apavorando a todos, como a menininha da foto, torcendo as mãozinhas, esperando...

Não tem perspectiva de resolver nada da violência, que é endêmica em todo o país, não só no Rio, não só nas grandes cidades, e tende a crescer de forma mais acelerada.

O capitalismo não tem respostas dentro de um sistema democrático, e não existe no Brasil um agrupamento efetivo de oposição ao PNL. Em outros países as teses do neoliberalismo tem perdido força e há ensaios de reverter algumas das "reformas" como as privatizações de serviços públicos. Mas é que eles ainda possuem instrumentos democráticos em funcionamento.


sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

PODER POLÍTICO DOS SUPER RICOS III IDEOLOGIAS


A palavra ideologia tem uma conotação negativa. A esquerda usa nesse sentido pelo menos desde Marx. Seria um conjunto de conceitos sem muita base no que sucede no mundo real, nas experiências das pessoas. A direita usa desde que elegeu o comunismo como seu inimigo político principal. Não falava muito disso depois do fim do comunismo em 1989, mas entre nós ressuscitou a tática ao denunciar a “ideologia de gênero” contra a filósofa e acadêmica Judith Butler, que visitou o país recentemente. A ideologia de gênero seria um instrumento para favorecer o crescimento da parcela não heterossexual da população: gays, lésbicas, transsexuais e outros, que trazem todo tipo de "ameaça" para a sociedade.

Mais importante é falar sobre conceitos e visões que podem ser relacionados a ideologias não declaradas publicamente, por serem politicamente incorretas. Elas têm relação com a necessidade da visão conservadora, ou seja da direita, de reforçar a desigualdade social. A principal e mais abrangente é a ideologia que postula que há seres humanos, e seres humanos inferiores. Existe em todo o mundo, e é mais presente onde a desigualdade é maior.

Entre nós, essa ideologia se desdobra em diferentes formas de expressão: o conceito da competência (os outros são incompetentes), a menor importância dada aos direitos e às vidas dos mais pobres, a qualificação de país de vira latas: corrupto, ineficiente, burro, comparado com os países do “primeiro mundo”.

A ideologia da desigualdade justificada, com efeitos mais debilitantes sobre a sociedade como organismo vivo é a da crença de que as estruturas que organizam quem produz o que, quem consome o que o que podemos fazer com a terra e os seres vivos são coisa natural, sujeita a “leis econômicas” que é errado tentar mudar. É a ideologia que legitima os ricos, a grande referência que move as ações do PNL. Quem fica para trás é por falta de méritos, não se esforçou o suficiente. As vantagens de berço dos mais ricos, que transmitem a desigualdade através das gerações simplesmente não são citadas.

É o caso da ideologia que a mídia internacional ocidental usa para editar opiniões e notícias da Grécia. Pego na contramão quando da erupção da crise de 2008, aquele país amarga há quase dez anos políticas de austeridade impostas pela Troika formada por FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu, dominados pela Alemanha. Para justificar uma política de austeridade que joga ano a ano na miséria parcelas cada vez maiores de sua população, a mídia procura retratar o povo grego como de boas vidas, parasitas e aproveitadores, aliás, como os outros povos do sul da Europa. Projeta sobre trabalhadores o comportamento de suas elites e faz o jogo da Troika tratando de manter Espanha, Portugal e Itália dentro do cercadinho que os bancos lhes reservaram. Qualquer semelhança com os preconceitos da classe média contra os mais pobres no Brasil, não é simples coincidência.

Essas ideologias são passadas de forma nem muito sutil pela mídia e pela indústria cultural dominante. Nelas não há lugar para a participação das pessoas comuns (as inferiores) nas decisões importantes que as afetam. É o discurso do PNL internacional, dos bancos, das castas privilegiadas, espaço das decisões deve ser ocupado pelo “mercado”, apelido dado aos donos do mundo que atuam preferivelmente em segredo até que as consequências de suas ações comecem a afetar os outros, os 99 %. Opinar sobre a reforma da previdência? Isto é para os especialistas e os parlamentares.

A maior mentira do PNL é que ele trata de ensejar o progresso. No Brasil, o golpe se lançou com um documento a que deram o nome de Ponte para o Futuro. Não é. O neoliberalismo prático acaba por ser um conjunto de medidas miradas no curto prazo, para tentar recompor margens de lucro das grandes corporações, enquanto o sistema econômico vai inexoravelmente perdendo legitimidade real perante a maioria, já que o crescimento econômico caiu a uma fração do que vinha sendo, a desigualdade social só aumenta e o setor financeiro permanece uma fonte de instabilidade (Ver os livros recentes de Ladislau Dowbor e Wolfgang Streeck).

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

PODER POLÍTICO DOS SUPER RICOS II – A VIOLÊNCIA



 Por que chamar de partido o que não tem estrutura formal de partido? Porque parece útil, primeiro para facilitar comparações históricas com outras ocasiões de ofensivas bem sucedidas das forças da direita. Segundo, para melhor caracterizar o inimigo, dividido hoje em muitas frentes e diferentes formas de atuação, mas com os mesmos propósitos e uma mesma classe social por trás de tudo.

Para o Brasil como para outros países da América, pode-se postular que tudo começou com o fim da escravidão, uma iniciativa de libertação que resultou muito limitada para a melhoria de condições de vida dos antigos escravos. E no modo como as classes dominantes, e seus intermediários na gestão de seus negócios e na atuação do Estado - as classes médias, viam e tratavam os antigos escravos e os trabalhadores manuais em geral. Desprezo, grosseria, paternalismo, desrespeito.

A imprensa, depois a mídia desde sempre ocupadas pelas ideologias das classes dominantes,   sempre favoreceram e fortaleceram essas atitudes dos setores majoritários das classes médias em relação a pessoas mais escuras e mais pobres.

A violência escravista conviveu com, e reforçou a violência contra trabalhadores rurais e pela violência fundiária que perduram hoje, pelos grandes proprietários de terras, estes ligados, como desde o início da colonização do Brasil, ao grande capital. No tempo do Brasil Colônia até o século 20 o Capital Mercantil, e atualmente o Capital Financeiro. Sempre “modernos”.

O liberalismo econômico do século 19 foi revivido em novas formas no neoliberalismo que estreou no Chile em 1973. A ditadura brasileira do período 1964 – 1985, que se instalou com o mesmo apoio dos setores reacionários e dos Estados Unidos, só perdeu apoio externo quando começou a trilhar caminhos que não eram aprovados pelos estadunidenses. 

Como Jessé Souza mostra em seu livro A Elite do Atraso da Escravidão à Lava-jato, há uma continuidade de violência privada e estatal em toda a história do Brasil. Em grande parte apoiada e incorporada por setores majoritários da classe média.

Essa violência – midiática, verbal, digital, policial, judiciária, política, intensificou-se e generalizou-se a partir do processo do mensalão do PT, em que casos de caixa dois de campanha foram usados seletivamente contra o partido e seus líderes. A condenação e prisão de políticos como José Genoíno, José Dirceu e Henrique Pizzolato iniciaram a fase judicial dessa onda.

Golpe

Como não foi efetiva em impedir a reeleição de Lula em 2006 e as duas eleições de Dilma, a ofensiva mudou de patamar durante o primeiro governo Dilma, em 2013, quando manifestações localizadas contra o aumento das passagens de ônibus municipais foram tomadas por grupos organizados “não-partidários”, que derem início a uma exclusão dessas manifestações de agrupamentos de esquerda, mediante ações violentas.

Logo teve início a operação Lava-Jato, centrada em um juiz federal de Curitiba que tinha recebido treinamento, e certamente informações do Departamento de Justiça (ministério) dos Estados Unidos. Nessa época as revelações do analista estadunidense Edward Snowden incluíram a espionagem e grampeamento sobre a presidenta Dilma e sobre a Petrobras.

É quando o PNL começa seu trabalho acelerado de desmontagem das instituições democráticas no Brasil. Neste trabalho, teve a participação de forças nominalmente de esquerda, por inação ou por inépcia. É necessário lembrar o papel decisivo do segundo governo Dilma

Por inação, basta lembrar a permanência de José Eduardo Martins Cardozo no ministério da justiça. Não só permitiu a quebra de comando na Polícia Federal como se omitiu vergonhosamente perante o seletivo justiçamento de seus companheiros de partido Dirceu, Genoíno, Vaccari e Pizzolato. Dilma só mudou o ministério para alguém capaz, e disposto ao enfrentamento, quando era tarde demais para uma reação efetiva. Por inépcia, a traição de Dilma ao convocar um banqueiro para comandar uma agenda neoliberal no governo, logo depois de ser reeleita exatamente para combater essa agenda.

Enquanto isso a ala minitar do PNL começou a flexionar os músculos. Nos panelaços destinados a impedir que as pessoas ouvissem os pronunciamentos da presidenta ou os programas eleitorais do PT, nas manifestações com camisetas da seleção brasileira de futebol que arrastaram milhões “contra a corrupção”. Desta vez uma ala minitar, formada basicamente das parcelas protofascista e liberal da classe média (nomenclatura adotada por Jessé Souza), substituía uma ala militar, como a acionada em 1964 ou as alas de ação terrorista de alguns movimentos independentistas mais ou menos recentes da Europa (Irlanda, País Basco). O nome minitar é também uma homenagem aos componentes entusiastas de Jair Bolsonaro, conhecidos na esquerda como bolsomínions.

Minitares e a conjuntura

A ala minitar padece de falta de racionalidade democrática.

Mesmo assim tem um conjunto de inimigos a combater, que herdou de ondas conservadoras anteriores: comunismo, a “orgia LGTB”, a liberdade feminina, os objetos da ciência que possam ser atacados a partir de grupos religiosos fundamentalistas. A agenda oculta, que a própria ala minitar em grande escala desconhece, é a defesa do verdadeiro núcleo do programa do PNL:

Expansão do alcance da dominação, pelo capital financeiro, de todas as instâncias do mercado de bens e serviços, com a destruição das prerrogativas sociais que limitem essa dominação, inclusive dos aparelhos de estado nacionais, com a exceção do governo dos Estados Unidos.

A ala minitar é complementada na ação, em todo o mundo, pelas empresas de mercenários, contratadas tanto pelos governos dos Estados Unidos e seus aliados, e também, parece, da Rússia, como pelas corporações, diretamente. Essas empresas estão em franca ascensão.

Atualmente a ala minitar encontra-se desmobilizada, possivelmente em função da contradição de ter contribuído decisivamente, em suas mobilizações coordenadas pela mídia e pelos exércitos de “ativistas” reais e virtuais das redes sociais, para a instalação no poder político de grupos notoriamente corruptos.

Por outro lado, os minitares não abandonam a mobilização contra as universidades públicas, e manifestações culturais várias, através de seus corpos permanentes – MBL, Vem pra Rua, Escola sem Partido e outros,. Por trás desses ataques está a estratégia de minar o estado democrático e a livre manifestação e debate de conceitos, opiniões e notícias gerados fora da mídia dominante, dos grupos acadêmicos e dos think tanks do capital financeiro coordenados no PNL. 

Os think tanks na realidade não geram pensamento novo, mas basicamente ocupam-se em elaborar discursos para o PNL. Possuem intelectuais que são intelectuais de aluguel, que são parte dos “especialistas” que são chamados para deitar sabedoria pela mídia.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES, NO DCM

Difícil não concordar com praticamente tudo o que ela diz



Maria da Conceição Tavares: “Na ditadura, havia protesto. Hoje, mal se ouve um sussurro no Brasil”

 

Maria da Conceição Tavares

Publicado no Insight Inteligência
POR MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
Vivemos sob a penumbra da mais grave crise da história do Brasil, uma crise econômica, social e política. Enfrentamos um cenário que vai além da democracia interrompida. A meu ver, trata-se de uma democracia subtraída pela simbiose de interesses de uma classe política degradada e de uma elite egocêntrica, sem qualquer compromisso com um projeto de reconstrução nacional – o que, inclusive, praticamente aniquila qualquer possibilidade de pactação.
PUBLICIDADE
Hoje, citar um político de envergadura com notória capacidade de pensar o país é um exercício exaustivo. O Congresso é tenebroso. A maioria está lá sabe-se bem com que fins. O elenco de governadores é igualmente terrível. Não há um que se sobressaia. E não vou nem citar o caso do Rio porque aí é covardia. O “novo” na política, ou o que tem a petulância de se apresentar como tal, é João Doria, na verdade um representante da velha extrema direita.
A ditadura, a qual devemos repudiar por outros motivos, não era tão ordinária nesse sentido. Não sofríamos com essa escassez de quadros que vemos hoje. O mesmo se aplica a nossos dirigentes empresariais, terra da qual não se vê brotar uma liderança. A velha burguesia nacional foi aniquilada. Eu nunca vi uma elite tão ruim quanto esta aqui. E no meio dessa barafunda ainda temos a Lava Jato, uma operação que começou com os melhores propósitos e se tornou uma ação autoritária, arbitrária, que atenta contra as justiças democráticas, para não citar o rastro de desemprego que deixou em importantes setores da economia.
É de infernizar a paciência que a Lava Jato tenha se tornado símbolo da moralização. Mas por quê? Porque nada está funcionando. Ela é uma resposta à inação política. Conseguiram transformar a democracia em uma esbórnia, em que ninguém é responsável por nada. Não há lei ou preceitos do estado de direito que estejam salvaguardados. O futuro foi criminalizado.
Não estou dizendo que o cenário internacional seja um oásis. O resto do mundo não está nenhuma maravilha, a começar pelos Estados Unidos. Convenhamos, não é qualquer país que é capaz de produzir um Trump. Eles capricharam. Na Europa como um todo, a situação também é desoladora. E a China, bem a China é sempre uma incógnita… Mas, voltando ao nosso quintal, o centro medíocre se ampliou de uma maneira bárbara no Brasil. Não há produção de pensamento contra a mediocridade, de lado algum, nem da direita, nem da esquerda. Faltam causas, bandeiras, propósitos, falta até mesmo um slogan que cole a sociedade. O mais impressionante é que não estamos falando de um processo longo, de uma ou duas décadas, mas, sim, de um quadro de rápida deterioração em um espaço razoavelmente curto de tempo. Estou no Brasil desde 1954 e jamais vi tamanho estado de letargia. Na ditadura, havia protesto. Hoje, mal se ouve um sussurro.
Por outro lado, também não se acham soluções pela economia, notadamente o setor produtivo. A indústria brasileira “africanizou”, como há muito já previra o saudoso Arthur Candal. Rendemo-nos à financeirização, sem qualquer resistência. A ideia do Estado indutor do desenvolvimento foi finalmente ferida de morte pela religião de que o Estado mínimo nos levará a um estado de graça da economia. Puro dogma. Estamos destruindo as últimas forças motrizes do crescimento econômico e de intervenção inclusiva e igualitária no social.
Essa minha indignação, por vezes misturada a um indesejável, mas inevitável estado de pessimismo, poderia ser atribuída a minha velhice. Mas não acho que seja não. Estou velha há muito tempo. Luto para não me deixar levar pelo ceticismo. Não é simples pelo que está diante de meus olhos.
Lamento, mas não me dobro; sofro, mas não me entrego. Jamais fugi ao bom combate e não seria agora que iria fazê-lo. Há saídas para esse quadro de entropia nacional e estou convicta de que elas passam pelas novas gerações. Como diria Sartre, não podemos acabar com as ilusões da juventude. Pelo contrário temos de estimulá-las, incuti-las. Por ilusão, em um sentido não literal, entenda-se a capacidade de mirar novos cenários, a profissão de fé de que é possível, sim, interferir no status quo vigente, o forte desejo de mudança, associado ao frescor, ao ímpeto e ao poder de mobilização necessário para que ela ocorra. Só consigo enxergar alguma possibilidade de cura desse estado de astenia e de reordenação das bases democráticas a partir de uma maciça convocação e ação dos jovens.
Por mais íngreme que seja a caminhada, não vislumbro saídas que não pela própria sociedade, notadamente pelos nossos jovens. Não os jovens de cabeça feita, pré-moldada, como se fossem blocos de concreto empilhados por mãos alheias. Esses mal chegaram e já estão a um passo da senectude. Estou me referindo a uma juventude sem vícios, sem amarras, de mente aberta, capaz de se indignar e construir um saudável contraponto a essa torrente de reacionarismo que se espraia pelo país. Há que se começar o trabalho de sensibilização já, mas sabendo que o tempo de mudança serão décadas, sabe-se lá quantas gerações.
Não consigo vislumbrar outra possibilidade para sairmos dessa geleia geral, dessa ausência de movimentos de qualquer lado, qualquer origem, seja de natureza política, econômica, religiosa, senão por uma convocatória aos jovens. Até porque, se não for a juventude, vai se falar para quem? Para a oligarquia que está no poder? Para a burguesia cosmopolita – que foi a sobrou – com sua conveniente e perversa indiferença? Para uma elite intelectual rarefeita e um tanto quanto aparvalhada?
Ao mesmo tempo, qualquer projeto de costura dos tecidos do país passa obrigatoriamente pela restauração do Estado. É urgente um processo de rearrumação do aparelho público, de preenchimentos das graves lacunas pensantes. Nossa própria história nos reserva episódios didáticos, exemplos a serem revisitados. Na década de 30, durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, guardadas as devidas proporções, também vivíamos uma dura crise.
Não íamos a lugar algum. Ainda assim, surgiram medidas de grande impacto para a modernização o Estado, como, por exemplo, a criação do Dasp – Departamento Administrativo do Serviço Público, comandado por Luis Simões Lopes.
Na esteira do Dasp, cabe lembrar, vieram os concursos públicos para cargos no governo federal, o primeiro estatuto dos funcionários públicos do Brasil, a fiscalização do Orçamento. Foi um soco no estômago do clientelismo e do patrimonialismo. O Dasp imprimiu um novo modus operandi de organização administrativa, com a centralização das reformas em ministérios e departamentos e a modernização do aparato administrativo. Diminuiu também a influência dos poderes e interesses locais. Isso para não falar do surgimento, nas fileiras do Departamento, de uma elite especializada que combinou altíssimo valor e conhecimento técnico ao comprometimento com uma visão reformista da gestão da coisa pública.
Faço esse pequeno passeio no tempo para reforçar que nunca fizemos nada sem o Estado. Não somos uma democracia espontânea. O fato é que hoje o nosso Estado está muito arrebentado. Dessa forma, é muito difícil fazer uma política social mais ativa. Não é só falta de dinheiro. O mais grave é a falta de capital humano. O que se assiste hoje é um projeto satânico de desconstrução do Estado, vide Eletrobras, Petrobras, BNDES…
RESTAURAÇÃO
O Estado sempre foi a nobreza do capital intelectual, da qualidade técnica, da capacidade de formular políticas públicas transformadoras. O que se fez no Brasil é assustador, uma calamidade. É necessário um profundo plano de reorganização do Estado até para que se possa fazer políticas sociais mais agudas. Chegamos, a meu ver, a um ponto de bifurcação da história: ou temos um movimento reformista ou uma revolução. A primeira via me soa mais eficiente e menos traumática. Ainda assim, reconheço, precisaremos de doses cavalares do medicamento para enfrentamos tão grave enfermidade. Os sintomas são de barbárie. Parece um fim de século, embora estejamos no raiar de um. Em uma comparação ligeira, lembra o começo do século XX. Os fatos levaram às duas Guerras Mundiais. Aliás, a guerra, ainda que indesejável, é uma maneira de sair do impasse.
Por isso, repito: precisamos de uma ação restauradora. O que temos hoje no Brasil não é uma feridinha à toa que possa ser tratada com um pouco de mertiolate ou coberta com um esparadrapo. O Estado e a sociedade brasileira estão em uma mesa de cirurgia. O corte é profundo, órgãos vitais foram atingidos, o sangramento é dramático. Este rissorgimento não deverá vir das urnas. Não vejo a eleição como um evento potencialmente restaurador, capaz de virar a página, de ser um marco da reconstrução.
Com o neoliberalismo não vamos a lugar algum. Sobretudo porque, repito: historicamente o Brasil nunca deu saltos se não com impulsos do próprio Estado. Esses últimos dois anos têm sido pavorosos, do ponto de vista econômico, social e político. Todas as reformas propostas são reacionárias, da trabalhista à previdenciária. Vivemos um momento de “acerto de contas” com Getúlio, com uma sanha inquisidora de direitos sem precedentes.
Trata-se de um ajuste feito em cima dos desfavorecidos, da renda do trabalho, da contribuição previdenciária, da mão de obra.
O Brasil virou uma economia de rentistas, o que eu mais temia. É necessário fazer uma eutanásia no rentismo, a forma mais eficaz e perversa de concentração de riquezas.
RENDA MÍNIMA
Causa-me espanto que nenhum dos principais candidatos à Presidência esteja tratando de uma questão visceral como a renda mínima, proposta que sempre teve no ex-senador Eduardo Suplicy o seu mais ferrenho defensor e propagandista no Brasil. Suplicy foi ridicularizado, espezinhado por muitos, chamado de um político de uma nota só. Não era, mas, ainda que fosse, seria uma nota que daria um novo tom à mais trágica de nossas sinfonias nacionais: a miséria e desigualdade.
Mais uma vez, estamos na contramão do mundo, ao menos do mundo que se deve almejar. Se, no Brasil, a renda mínima é apedrejada por muitos, mais e mais países centrais adotam a medida. No Canadá, a província de Ontário deu a partida no ano passado a um projeto piloto de renda mínima para todos os cidadãos, empregados ou não. A Finlândia foi pelo mesmo caminho e começou a testar um programa também em 2017. Ao que se sabe, cerca de dois mil finlandeses passaram a receber algo em torno de 500 euros por mês. Na Holanda, cerca de 300 moradores da região de Utrecht passaram a receber de 900 euros a 1,3 mil euros por mês. O nome do programa holandês é sugestivo: Weten Wat Werkt (“Saber o que funciona”). Funcionaria para o Brasil, tenho certeza.
O modelo encontrou acolhida até nos Estados Unidos. Desde a década de 80, o Alasca paga a cada um de seus 700 mil habitantes um rendimento mínimo chamado Alaska Permanent Fund Dividend. Os recursos vêm de um fundo de investimento lastreado nos royalties do petróleo. É bom que se diga que dois dos fundamentalistas do liberalismo, os economistas F. A. Hayek e Milton Friedman, eram defensores da renda básica e até disputavam a primazia pela paternidade da ideia. Friedman dizia que a medida substituiria outras ações assistencialistas dispersas.
No Brasil, o debate sobre a renda básica prima pela sua circularidade. O Bolsa-Família foi uma proxy de uma construção que não avançou. Segundo o FMI, a distribuição de 4,6% do PIB reduziria a pobreza brasileira em espetaculares 11%.
Essa é uma ideia que precisa ser resgatada, uma bandeira à espera de uma mão. Entre os candidatos à presidência, só consigo enxergar o Lula como alguém identificado com a proposta. Se bem que a coisa está tão ruim que, mesmo que ele possa se candidatar e seja eleito, teria enorme dificuldade de emplacar projetos realmente transformadores. O PT não tem força o suficiente; os outros partidos de esquerda não reagem.
Lula sempre foi um grande conciliador. Mas um conciliador perde o seu maior poder quando não há conflitos. E uma das raízes da nossa pasmaceira, desta letargia, é justamente a ausência de conflitos, de contrapontos. Não tem nada para conciliar. Mais do que conflitiva, a sociedade está anestesiada, quase em coma induzido. O que faz um pacificador quando não há o que pacificar?

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

PODER POLÍTICO DOS SUPER RICOS


Primeira parte: Identificação do centro de gravidade do neoliberalismo e de seu braço político, o neoconservadorismo.



UM ESPECTRO DOMINA O MUNDO

Existe um partido que manda efetivamente no Brasil e no Mundo. Este partido é um espectro, que se mantém nas sombras e só é percebido como tal através das ações que projeta através de outras instituições e dos efeitos das políticas que impulsiona.

Esse partido formou-se, e cresce, para impor o controle total das riquezas e potencialidades do mundo em favor da minoria dos bilionários globais. Os donos do mundo – esses bilionários – vêm aumentando a sua parte na riqueza e nas rendas globais graças às ações do tal partido.

Ele precisa ser invisível como organização. Não que seja governado por um comitê que se reúne secretamente em algum bunker.  Esse partido atua através de organizações econômicas e de corpos burocráticos e militares.

Chamaremos o partido dos bilionários de partido neoliberal, sigla PNL, a partir do princípio que o unifica, que é a ideologia neoliberal. Ao mesmo tempo que trabalha para enfraquecer os estados nacionais, o PNL tem as características de uma organização totalitária.

A ideologia do PNL nunca foi proposta claramente como programa de governo, em âmbito nacional, regional ou da Organização das Nações Unidas. Nunca houve debates verdadeiros em torno do corpo da ideologia neoliberal e o pragmatismo keynesiano que vinha sendo praticado anteriormente em todo o mundo. Vem sendo imposta através do domínio – estabelecido gradualmente e sem qualquer alarde - nas mídias mundiais e nas universidades. Legitima-se através da pseudociência econômica, que foi montada a partir da leitura de alguns princípios inicialmente formulados por Adam Smith, passou pelos liberais clássicos do século 19 e do trabalho dos novos liberais a partir do fim da Segunda Guerra Mundial.

Objetivos do PNL

Não se propõe tomar os governos de forma explícita. Em vez disso, trata de destruir o poder do Estado em todas as suas instâncias que possam ser aplicadas no bem estar social e na construção de uma economia nacional e funcional para a maior parte da população. Suas ações nesse sentido incluem:
Manter e acelerar o processo de concentração de renda, riqueza e poder para a minoria dos super ricos, basicamente nos EUA e em seus aliados.

  • Estender sua rede e fortalecer o poder dos super ricos.
  • As riquezas e potencialidades em qualquer parte do mundo que não possam ser submetidas ao controle da minoria dominante devem ser destruídas.
  • Os Estados Unidos devem continuar a exercer a “dominância global”, e o processo de declínio dessa dominância que ocorre neste começo do século 21 deve ser revertido.
  • A rede de influência, cujo poder é esmagador frente às redes de defesas de trabalhadores e dos pobres em geral – deve ser ampliada, em termos ideológicos e religiosos.
  • Manter a invisibilidade de seu corpo e estrutura.
  • Manter uma rede de paraísos fiscais que viabilizam a sonegação que destrói os sistemas fiscais dos estados nacionais que ousem direcionar os recursos advindos de impostos para qualquer finalidade que não expanda os fluxos de rendas dos donos do mundo.


Estrutura do partido neoliberal

O PNL é mantido invisível graças ao indispensável apoio da grande mídia internacional e nacional. Mais precisamente, essa grande mídia: redes de rádio e televisão, grandes jornais e revistas impressos e online, é parte integrante do partido, e pode ser considerada a sua primeira instância de poder.

A produção e a distribuição do discurso neoliberal são complementadas pela predominância esmagadora das narrativas distorcidas em favor dos objetivos do PNL, em que os acontecimentos favoráveis a seus objetivos ganham destaque, enquanto tudo o que possa desafiar o discurso global do PNL são ignoradas.

 A linguagem é fundamental no ativismo do PNL. Palavras são escolhidas de modo a favorecer o discurso básico neoliberal, assumindo as suas receitas como se fossem naturais, sem alternativas (o discurso TINA) e com base científica.

Os operadores e a massa de apoio do PNL vêm de uma fração que é majoritária das classes médias, que se portam de maneira defensiva em relação aos privilégios que ocupam na escala social. A sua adesão decorre em parte do papel tradicional dos membros dessa classe de intermediária entre o poder dos setores dominantes e os trabalhadores de média e baixa qualificação. Essa posição leva seus membros a tenderem a identificarem-se com os interesses do capital em sua fase atual, contra, portanto, a melhoria relativa da situação econômica e social dos trabalhadores e das populações menos favorecidas.

É esta fração que fornece as massas que vão se manifestar nas ruas e multiplicar matérias na internet.  São manipuladas pela mídia e por ativistas e robôs da internet.  Quadros da burocracia estatal responsáveis pela repressão e pela justiça - membros da polícia, procuradores, juízes, aderem ao discurso do PNL veiculado pela academia e principalmente pelas mídias, e recebem tratamento privilegiado inclusive em termos salariais, que as colocam mais próximas aos verdadeiros donos do poder.

O neoliberalismo em si começou a formar corpo a partir do esgotamento do ciclo de crescimento que afetou o Ocidente começando nos anos 1970. Tornou-se política de governo em 1973 no Chile com a ditadura militar, e entre 1979 e 1980 nos EUA e no Reino Unido.

A ideia da reativação do liberalismo econômico clássico iniciou-se logo depois da 2ª Guerra Mundial, com o austríaco Hayek e depois o americano Friedman. Antes e depois da instalação dos governos Thatcher e Reagan, em 1979 e 1981, que passaram a aplicar as diretivas de desmonte do estado de bem estar social e ataque aos sindicatos com o fim de reduzir os salários dos trabalhadores.

A invisibilidade como tática e estratégia do partido neoliberal

Quando os governos britânico e estadunidense iniciaram em seus países as políticas neoliberais, o campo já vinha sendo preparado nas universidades americanas e britânicas, por think tanks montados especificamente, mas de forma gradual, pelo grande capital dos EUA e de seus governos conservadores.

 O ensino de economia nas universidades, que tinha o liberalismo à margem e baseava-se nas ideias de Keynes, ao fim de algumas décadas passou a adotar as premissas neoliberais, que hoje dominam em todo o mundo fora China, Rússia e alguns países menores como Irã, Venezuela, Cuba, Coreia do Note, Turquia. Estes todos sob ataques dos Estados Unidos e seus aliados.  

Partidos conservadores após o fim da segunda guerra e antes da década de 1980 aceitavam, ou mais ou menos conviveram com o Estado do Bem Estar Social, eventualmente com nuances ideológicas à direita ou à esquerda, embora sem afetar sua essência. Quando Thatcher e Reagan mudaram radicalmente essa política em favor do capital e contra o poder dos trabalhadores, os partidos de centro-esquerda também se deslocaram, tentando ficar no meio do caminho.

 Sem se assumir como grupo à parte já era o PNL atuando. Tratando de fazer passar sua política de concentração de renda e de riqueza como produto de um consenso geral. É a época do TINA (there is no alternative, expressão atribuída a Thatcher), do Consenso de Washington de 1989.

O famoso Consenso foi aplicado pelo FMI e pelo Banco Mundial, dominados pelo governo dos Estados Unidos, que passaram a usar as crises financeiras dos países pobres para impor políticas de austeridade e privatização. Nesse período a privatização da Indústria britânica de energia começou a ser ensinada como modelo a ser seguido no Brasil, a gerências empresas brasileiras estaduais de energia, sob os governos do PMDB e do PSDB.

O PNL esteve presente em todas as negociações de tratados de “livre comércio” como o Nafta, entre EUA, Canadá e México. O Nafta foi ativado em 1994, e cláusulas do tratado permitem que corporações transnacionais possam exigir indenizações de governos nacionais ou locais que através de legislação ou da ação de órgãos executivos venham a limitar o montante de seus lucros.

Essas categorias de cláusulas vêm sendo negociadas secretamente pelos grupos de trabalho formados também por mecanismos desconhecidos das populações dos países afetados, no caso do tratado do Pacífico e do Atlântico, além do entre Mercosul e União Europeia. A mídia internacional cuida de ajudar a ocultar esses fatos, omitindo-os ou mostrando-os sem o destaque que seria devido pela sua importância.

Outra forma básica de imposição de invisibilidade têm sido as campanhas de combate à corrupção pela imprensa e mídia. Invariavelmente esse combate é feito exclusivamente a políticos e partidos que o PNL escolheu para alijar do poder e eventualmente destruir. Existe corrupção, mas a que não é atribuível à esquerda é ocultada pela mídia. Essas campanhas são realizadas também e principalmente para ocultar os grandes negócios que se fazem com as  privatizações e desnacionalizações de empresas estratégicas e de serviços públicos.

Raízes e cúpulas mais notórias do partido neoliberal 

  • Consenso de Washington
  • Fundo Monetário Internacional
  • Estados Unidos da América
  • Fórum Mundial de Davos
  • Ideologia Neoliberal
  • Bancos Centrais em Geral
  • Bancos e Outras Instituições Financeiras de Grande Porte
  • Paraísos Fiscais, entre os quais os mais importantes são Os Estados Unidos, a Suíça e o Reino Unido.
  • Universidades
  • Think Tanks Conservadores 

AUXILIO MORADIA

Do Gregorio Duvivier, veja aqui. Faz quase um ano, mas é muito atual.