O golpe de Schroedinger, por Fernando Horta

O golpe de Schroedinger, por Fernando Horta
Numa das mais célebres passagens da física contemporânea, o físico Erwin Schroedinger, construiu uma experiência hipotética, em 1935, com uma caixa, radioatividade e um pobre gato. Segundo a mecânica quântica, diversos estados da matéria coexistem no mesmo momento. Como, em realidade, temos que olhar para as partículas que formam a matéria, o mundo seria um, se estas partículas assumissem um estado de matéria, ou seria outro, se assumissem um estado de energia, por exemplo. Como esta dualidade se daria em nível subatômico, qualquer interferência externa seria suficiente para alterar esta realidade, para constituir um universo ou outro, dentro de tantos possíveis.
Assim, ao colocar o gato na caixa com material radioativo, o físico teorizava que, caso a o material radioativo começasse a decair, transformando-se em energia, o gato morreria. Ao contrário, caso o material se mantivesse em forma de “matéria” o gato permaneceria vivo. A grande ruptura do entendimento quântico é que os dois estados (ou inúmeros outros) estariam acontecendo ao mesmo tempo. O gato estaria vivo e morto até que uma perturbação externa, por mínima que fosse, viesse a se colocar. O olhar do observador seria energia suficiente para desfazer este estado de simultaneidade. Ao abrir a caixa os múltiplos universos (em que o gato estaria vivo, morto ou em estados intermediários aos dois fins) se transformariam naquele do observador.
Na política brasileira está ocorrendo o mesmo. Estamos dentro da caixa. Nós somos o gato. Ao nível dos agentes políticos, todos estão vivendo um momento de golpe e não-golpe simultaneamente, dependendo de interferências externas. O discurso das “instituições funcionando” são a caixa. Enquanto ele não for tocado, testado, rompido o estado de “golpe/não-golpe” continuará e a sociedade brasileira seguirá em transe quântico. Mesmo o vice-presidente Temer está nesta. Para ele governar não houve golpe, mas quando o congresso ameaçou quebrar o discurso das “instituições funcionando”, com uma votação pelas diretas imediatamente, Temer, ele próprio, veio dizer que “era golpe”.
As esquerdas estão também nesta. Não querem quebrar as vidraças (as vidraças institucionalmente funcionam como a caixa do gato, protegem o estado do “golpe/não-golpe”) e assim evitam verificar se o gato está vivo ou morto. Esperam chegar a 2018 neste transe quando, julgam, a interferência externa lhes seria favorável através na necessidade (em tese) do cumprimento de mandamento constitucional e eleições. Até lá, participam do jogo do “golpe/não-golpe” com uma estratégia de controle de danos. Vão se opondo a medidas pontuais sem, no entanto, abrirem a caixa. O medo de ver o gato morto é muito grande.
Os candidatos minoritários a 2018 fazem o mesmo jogo. Não denunciam a situação com medo tanto de o gato estar morto quanto dele sair vivo. O jogo para Marina, Ciro e todos os outros é muito mais perigoso. Eles podem ser engolidos pelo fascismo ou pelo renascimento do PT e, em ambos os casos, não apenas sairiam do período 2014-2018 sem nenhum ganho político, como podem ter definitivamente suas chances políticas ceifadas, caso um dos dois movimentos saia deste transe realmente fortalecido.
O STF faz parte da mesma ciranda. Se bem que conteve os rompantes ditatoriais de Mendes, não se dignou a tomar qualquer decisão sobre o golpe. Nem dizer que chancela, nem que desfaz. Mantém o gato na caixa, a dualidade dos mundos e canta que “as instituições estão funcionando”. Talvez porque seus salários estão sendo pagos (com reajuste), seus tempos de aposentadorias contados e seus assessores estão trabalhando. Mas não é este o funcionamento que o povo deveria (e precisa) requerer do tribunal.
O problema desta situação é que o tempo joga papel fundamental. Estamos assistindo uma brutal reversão das políticas de distribuição de renda dos últimos 13 anos. Planos de saúde aumentando de 50 a 100%, produtos alimentícios ficando de 20 a 30% mais caros todos os meses, contas de serviços básicos sendo majoradas e os salários congelados por 20 anos. Assim, a estática política que o Golpe de Schroedinger nos impôs está fazendo com que o gato vá definhando, morrendo aos pouquinhos. A geladeira cada vez mais vazia e as contas mais altas é a certeza que o dinheiro se acumula no bolso das elites. Os grupos políticos – todos – com medo de alterarem este marasmo, deixam o tempo desta dúvida jogar contra a possibilidade do gato viver.
É preciso abrirmos a caixa. De uma vez.