sábado, 8 de abril de 2017

TRUMP E A SÍRIA

Por Pepe Escobar




Síria: A Fusão Tóxica
Artigo do jornalista Pepe Escobar para ajudar a entender o recente ataque norteamericano contra a Síria


*Por Pepe Escobar
“Esses atos hediondos do regime de Assad não podem ser tolerados”. Assim falou o Presidente dos Estados Unidos.
Tradução instantânea: Donald Trump – e/ou a sopa de letrinhas das agências de inteligência dos EUA, sem nenhuma investigação detalhada – estão convencidos de que o Ministério da Defesa Russo está simplesmente mentindo.
É uma acusação muito séria. O porta-voz do Ministério da Defesa Russo, Major-General Igor Konashenkov, enfatizando a informação “totalmente objetiva e verificada”, identificou um ataque da Força Aérea da Síria lançado contra um armazém “rebelde moderado” ao leste da cidade de Khan Sheikhoun usado para produzir e armazenar conchas contendo gás tóxico.
Konashenkov acrescentou que os mesmos produtos químicos foram usados ​​por “rebeldes” em Aleppo no final do ano passado, de acordo com as amostras coletadas por especialistas militares russos.
Ainda assim, Trump sentiu-se obrigado a telegrafar o que agora é sua própria ‘linha vermelha’ na Síria: “Militarmente, eu não gosto de dizer quando vou nem o que estou fazendo. Não estou dizendo que não farei nada, mas de uma forma ou de outra, certamente não vou dizer a vocês [imprensa]”.
 Isso pode parecer um esboço do Monty Python [grupo de comédia britânico]. Mas infelizmente, é a realidade.

O que está em jogo em Idlib

Histeria desencadeada – mais uma vez -, a opinião pública ocidental esqueceu convenientemente que as declaradas armas químicas mantidas por Damasco foram destruídas em 2014 a bordo de um navio dos Estados Unidos, e mais, sob a supervisão da ONU.
E a opinião pública ocidental, convenientemente, esqueceu também que antes de ser teoricamente transpassada a chamada “linha vermelha de Barack Obama sobre armas químicas”, um relatório secreto da inteligência dos EUA deixou claro que Jabhat al-Nusra, também conhecido como o comandante da al-Qaeda na Síria, dominava o ciclo de produção de gás sarin e era capaz de produzi-lo em quantidade.
Sem mencionar que a administração Obama e seus aliados, a Turquia, a Arábia Saudita e o Qatar fizeram um pacto secreto em 2012 para criar um ataque de gás sarin e culpar Damasco, preparando o cenário para um replay de ‘Shock and Awe’ [Choque e Pavor – doutrina militar baseada no uso de força avassaladora]. O financiamento para o projeto veio da conexão NATO-GCC [OTAN-Militares e Governos], juntamente com uma conexão CIA-MI6 [CIA-Agência Britânica de Inteligência], também chamada de rat.line, de transferir todo o tipo de armas da Líbia para Salafistas-jihadistas [movimento ortodoxo ultraconservador dentro do islamismo sunita] na Síria.
Assim, a ofensiva de Damasco tinha de ser manchada, sem impedimentos, para toda a opinião pública global.Encurralados na província de Idlib, esses “rebeldes” são agora o principal alvo do Exército Árabe Sírio (SAA) e da Força Aérea Russa. Damasco e Moscou, ao contrário de Washington, estão empenhados em esmagar toda a galáxia Salafista-jihadista, não só o Daesh. E se o SAA continua a avançar, e esses “rebeldes” perdem Idlib, é ‘game over’.
Além disso, não faz qualquer sentido que apenas dois dias antes de outra Conferência Internacional Sobre a Síria, e imediatamente após a Casa Branca ser forçada a admitir que “o povo sírio deve escolher o seu destino” e que não se fala mais em “Assad deve ir”, Damasco lance um ataque de gás contraproducente antagonizando todo o universo da OTAN.
Isto caminha – e fala – mais como o tsunami de mentiras que antecederam a doutrina ‘Shock and Awe’ no Iraque em 2003, e certamente vai no mesmo caminho que a renovada turbinada de uma campanha “al-CIAda”. Jabhat al-Nusra nunca deixou de ser um dos bebês da CIA no cenário preferido para a mudança de regime sírio.

Seus filhos não são tóxicos o suficiente

A embaixadora de Trump na ONU, a proprietária da Heritage Foundation Nikki Haley, previsivelmente foi balística, monopolizando todo o ciclo de notícias do Ocidente. Perdido no esquecimento, também previsivelmente, foi o discurso do vice-embaixador da Rússia, Vladimir Safronkov, quebrando em pedaços a “obsessão por mudança de regime” na Síria, que segundo ele “é o que dificulta este Conselho de Segurança”.
Safronkov sublinhou que o ataque químico em Idlib foi baseado em “relatórios falsificados dos Capacetes Brancos”, uma organização que foi “desacreditada há muito tempo”. De fato; Mas agora os capacetes são vencedores do Oscar , e este crachá de honra da cultura pop os torna inatacáveis ​​- para não mencionar imunes aos efeitos do gás sarin.
Seja qual for, Trump ou Pentágono, quem eventualmente surgir, um analista de inteligência americano independente, avesso ao pensamento coletivo, foi inflexível: “Qualquer ataque aéreo contra a Síria exigiria coordenação com a Rússia, e a Rússia não permitiria qualquer ataque aéreo contra Assad. A Rússia tem os mísseis defensivos lá que podem bloquear o ataque. Isso será negociado fora. Não haverá ataque já que um ataque pode precipitar uma guerra nuclear. ”
Os “filhos da Síria” mortos são agora peões em um jogo muito maior e perverso. O governo dos Estados Unidos pode ter matado um milhão de homens, mulheres e crianças no Iraque – e não houve clamor sério entre as “elites” do espectro da OTAN. Um criminoso de guerra ainda em liberdade admitiu, e registrou [vídeo acima com Madeleine Albright, ex-Secretária de Estado do governo Bill Clinton], que a extinção, direta e indireta, de 500.000 crianças iraquianas foi “justificada”.
Publicado originalmente em Sputnik NewsEnquanto isso, o Reino Unido continua alegremente armando a ‘Casa de Saud’ em sua busca para reduzir o Iêmen a uma vasta área de fome identificada por cemitérios de “danos colaterais”. O espectro da OTAN certamente não está chorando por essas crianças iemenitas mortas. Eles não são tóxicas o suficiente.
*Pepe Escobar é correspondente itinerante da Asia Times/Hong Kong, analista da RT e TomDispatch, e colaborador frequente de sites e programas de rádio que vão desde os EUA até a Ásia Oriental. Nascido no Brasil, é correspondente estrangeiro desde 1985 e viveu em Londres, Paris, Milão, Los Angeles, Washington, Bangkok e Hong Kong.

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