terça-feira, 27 de setembro de 2016

O GOLPE: UMA AULA DO PROFESSOR EUGÊNIO ARAGÃO

Saiu no Conversa Afiada

Aragão passa a limpo Moro e o MP
Não é isso o que combate a corrupção


"MP e Judiciário terão que ser passados a limpo. Não podemos mais fazer o que a gente fez"

Membro do Ministério Público Federal desde 1987, subprocurador da República e ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff durante dois meses, Eugênio Aragão é hoje um dos mais duros críticos dos procedimentos adotados pela Operação Lava Jato que, em vários casos, ultrapassaram as fronteiras da legalidade, como foi o caso da escuta da presidenta da República autorizada e divulgada para a imprensa pelo juiz Sérgio Moro. Em entrevista ao Sul21, Eugênio Aragão define a Lava Jato como "uma das operações mais tortuosas da história do Ministério Público. "A gente sente claramente que os alvos são escolhidos. Há delações claras em relação a outros atores que não pertencem ao grupo do alvo escolhido e que simplesmente não são nem incomodados. Em relação aos alvos, a operação chega a ser perversa e contra a dignidade da pessoa humana", critica.

Para Eugênio Aragão, o Brasil vive uma onda de fascismo maior talvez que a vivida no período da ditadura militar e o Judiciário e o Ministério Público tem responsabilidade por isso: "O Judiciário tem um problema muito sério: é o poder mais opaco de todos, não tem transparência nenhuma e é muito alienado quanto ao déficit de acesso à Justiça que existe no Brasil. Parece que vive em outro mundo". O ex-ministro acredita que foram cometidos graves erros no recrutamento de atores importantes nas instituições do Judiciário. "A maioria dos ministros do STF têm uma dificuldade muito grande de enfrentar a opinião pública", exemplifica.

Aragão critica o discurso que afirma que tudo está podre, tudo está corrupto, assinalando que esse é, historicamente, o discurso de todo governo fascista. E reafirma suas críticas ao juiz Sérgio Moro, dizendo que ele está ultrapassando os limites do Direito Penal. "É uma volta às Ordenações Filipinas, na medida em que expõe as pessoas como troféus do Estado, fazendo-as circular pelas ruas com baraços e pregão para que todo mundo possa jogar tomates e ovos podres em cima delas. Isso é o que ocorria na Idade Média".

Sul21Como o senhor definiria o momento político e social que o Brasil está vivendo hoje?

Eugênio Aragão: Nós estamos sentados sobre os escombros daquilo que foi nosso sonho de construir um estado democrático de direito inclusivo, socialmente justo e solidário. Temos que pensar com toda a seriedade as causas disso que aconteceu e não nos perdermos apenas na denúncia do golpe, que de fato ocorreu. Na última semana, o presidente Temer confessou com todas as letras que o afastamento da presidenta Dilma não se deu por razões de crime de responsabilidade, mas sim para forçar uma mudança de programa de governo. Essa declaração é de um caradurismo enorme, pois a presidenta Dilma foi eleita em uma campanha da qual ele fez parte. Ele não pode querer derrubar a presidente para impor um novo programa que nem diz respeito aquilo que a maioria dos eleitores aprovou.

Não se trata de uma questão de ter simpatia ou não por Dilma, mas sim de ter consciência e entender a seriedade do que está por vir aí. Parece que a maioria da população brasileira está num estado de torpor e de estupefação em função da rapidez dos acontecimentos, e não está entendendo direito o que aconteceu e está acontecendo. Penso que é muito importante fazermos essa reflexão sobre onde erramos, para permitir que essas pessoas que hoje estão no poder assaltassem a democracia do jeito que assaltaram.

Sul21O senhor já tem algumas hipóteses acerca da natureza desses erros?

Eugênio Aragão: Acredito que há um leque de erros que até são normais. Quem está governando, principalmente quando governa sob forte pressão, está olhando para a sobrevivência diária e, muitas vezes, acaba perdendo a noção do conjunto de uma crise desse tamanho. Acho que, entre outras coisas, houve escolhas erradas de pessoal e uma articulação muito falha com o parlamento. Acredito também que poderíamos ter feito muito mais para atender os movimentos sociais. Houve muita decepção por parte de alguns desses movimentos, como o movimento dos sem teto. Eles assistiram durante as obras da Copa e das Olimpíadas uma verdadeira tragédia de retirada de bairros inteiros de população de baixa renda. Esse processo de gentrificação urbana atingiu a população mais pobre em praticamente todas as capitais. Aqueles que mais deveriam tirar vantagem desses eventos internacionais acabaram sendo os maiores prejudicados. Esses erros acabaram diluindo um pouco a nossa base de apoio.

Sul21Além desses erros nas esferas do Executivo e do Legislativo, não houve também uma mudança expressiva no comportamento do Judiciário que contribuiu para o agravamento do processo da crise?

Eugênio Aragão: O Judiciário tem um problema muito sério: é o poder mais opaco de todos, não tem transparência nenhuma por mais que se gabe de disponibilizar suas decisões na internet. O importante não é publicar a decisão, mas sim o processo pelo qual se chega a ela. E este processo não está disponível na internet. Não aparece o advogado prestigiado em Brasília que pode colocar a mão na maçaneta dos gabinetes dos ministros, entrar e falar com tapinhas nas costas, coisa que advogados, digamos, menos aquinhoados do Rio, São Paulo e outras cidades não podem fazer. O Judiciário é muito alienado quanto ao déficit de acesso à Justiça que existe no Brasil. Parece que vive em outro mundo.

Isso também tem muito a ver com as escolhas pessoais. Acho que foram cometidos graves erros no recrutamento de alguns atores. Nós deixamos que fossem para o Supremo e para o STJ as pessoas que melhor sabiam fazer campanha junto a políticos, aqueles que melhor sabiam chegar perto do círculo de poder central para vender o seu nome. Eu tenho uma ideia sobre isso que já externei para a presidenta Dilma. O candidato ideal a um cargo destes não é aquele que está numa verdadeira maratona para ser indicado. A pessoa que quer muito essa indicação quer muito também por uma questão de vaidade para o seu currículo pessoal. É como se o cargo acabasse sendo uma cerejinha glacê em cima do chantili do seu bolinho. A pessoa que tem esse perfil, quando é submetida a uma pressão muito grande da opinião pública, por ser alguém que naturalmente gosta de ser vista bonita, tem medo de queimar o filme dela. Em função disso, tem uma dificuldade enorme de ser contra-majoritário, de não ceder a esses apelos das ruas e apelos midiáticos.

É uma questão de escolha. O ministro ideal para ser escolhido é aquele que você liga para ele dizendo que pensou no nome dele para ser ministro do Supremo Tribunal Federal, perguntando se aceitaria e ele responde pedindo dois ou três dias para refletir e conversar com a família. Esse é o candidato ideal. Ele não estava batalhando para ser indicado, não queria achar uma cerejinha para o seu currículo, mas sim querendo ver o problema em toda a sua extensão. Ir para um lugar como aquele não é uma festa, não é um congraçamento ou um galardão, mas é ir para uma trincheira de uma batalha política. Uma batalha para manter íntegra essa República.

O meu nome foi cogitado, por duas vezes, para ir para o Supremo. Eu tinha um receio muito grande em aceitar, pois não estava vendendo uma ideia pessoal. Nestas duas ocasiões, eu não estava me vendendo como ministro, mas sim me colocando apenas como uma opção entre várias outras para tentar fazer algo de diferente. Mas eu nunca fiz campanha mesmo, não fui visitar deputados, senadores ou ministros. A única coisa que fiz foi uma conversa na Casa Civil com pessoas que eu conhecia. Coloquei meu nome à disposição, mas nunca considerei uma possível indicação como um destino da minha vida. Eu nunca tinha pensado nesta possibilidade até que o doutor Rodrigo Janot, quando de sua campanha para Procurador Geral da República, veio com essa história para mim. ‘Eugenio, por que é que você não tenta ir para o Supremo Tribunal Federal’, disse-me. Na ocasião, eu pensei em duas coisas. A primeira foi: será que esse cara está tentando se livrar de mim? Conversei com algumas pessoas que me disseram: ou você se coloca ou as pessoas que não têm as suas qualidades vão se colocar. E fui conversando com algumas pessoas que eu conhecia, mas sem fazer campanha.

Sul21Isso foi em que ano?

Eugênio Aragão: Foi quando a vaga foi ocupada pelo Luís Roberto Barroso e, depois, pelo Edson Fachin. Foram as duas vagas para as quais o meu nome foi cogitado pelo governo. Por razões distintas, acabei não indo, mas isso não vem ao caso. Nunca me senti depreciado por isso. Pelo contrário, continuei cooperando com esse projeto político porque acreditava nele. Para mim, não se tratava de uma questão de ir ou não ir para o Supremo ou de um projeto pessoal. Isso não mudou nada na minha relação com o governo. Na época, quando os dois nomes foram indicados eu falei para as pessoas que estavam me apoiando que eram excelentes nomes. Não fiquei com nenhum tipo de mágoa ou ressentimento por conta disso, o que acontece muito com pessoas que achavam natural que fossem escolhidas e isso acaba não acontecendo.

A verdade é que esse sistema cria naturalmente uma dinâmica de grupo no Supremo, com ministros que têm uma dificuldade muito grande de enfrentar a opinião pública. São pessoas que sempre gostaram disso e que construíram um currículo onde o Supremo Tribunal Federal é o ápice. Isso é muito comum. Muita gente vai fazer doutorado para coroar o seu currículo. Doutorado não é coroa de nada, mas sim é uma porta pela qual você entra no mundo da pesquisa acadêmica. O doutorado não tem nenhum significado para efeito de embelezamento do currículo. Até porque, em dois ou três anos, a linda tese que você escreveu provavelmente vai estar superada e ninguém mais vai querer ler. O que é importante é o que você vai fazer com o seu doutorado em termos de pesquisa e ensino. É para isso que ele serve e não para você sentar em cima de sua glória.

Para mim, o mesmo se aplica no caso do Supremo. O importante não é ir para o Supremo, mas sim o que você faz com isso. Você vai ser apenas mais um, acompanhando a manada do povo que está irado no estouro para fora do seu cercado, ou você vai querer realmente fazer diferença e assumir posições que, às vezes, podem até te deixar mal com a opinião pública, mas que você acredita serem profundamente justas dentro da sua consciência. O ministro Marco Aurélio, que nem foi escolhido pela presidenta Dilma, é hoje uma das pessoas mais autênticas dentro do Supremo. Tem o Teori também, que é uma pessoa de grande caráter e de um trabalho sólido em termos de magistratura. Mas o ministro Marco Aurélio realmente quer fazer diferença. Ele pouco se lixa em ser minoria, o que ele quer é fazer aquilo que a consciência dele manda. É um excelente magistrado. Ainda bem que o Supremo tem pessoas como ele.

Sul21O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, em um recente artigo, definiu o que se passou no Brasil, do ponto vista jurídico, como o triunfo de Carl Schmitt (da ideia da primazia do soberano) sobre Hans Kelsen (que defende o controle judicial da Constituição). O senhor concorda com essa leitura?Eugênio Aragão: Com certeza. Eu citei Carl Schmitt várias vezes nos últimos tempos para falar sobre o que está acontecendo no país. Para ele, a soberania de um Estado se consubstancia no poder que esse aparato tem de revogar as suas próprias leis e de criar o Estado de Exceção. É no Estado de Exceção que o poder nu e cru – aquele monopólio da violência pelo Estado – melhor se manifesta. A soberania schmittiana é uma soberania da violência. Já em Kelsen, a ideia de soberania repousa sobre a prevalência da lei. Para Schmitt, vale a revogação da lei enquanto que, para Kelsen, vale a prevalência da lei. Kelsen tem alguns problemas de excessivo formalismo, mas a lei é a representação da vontade popular, da vontade política da nação, construída através de um sistema democrático que escolhe aqueles que são os legisladores. A soberania é a nossa capacidade de escolher aqueles que darão curso à vontade da maioria política da nação, sem deixar de respeitar a posição das minorias. Isso no Brasil desapareceu. Hoje, há um total desrespeito em relação ao que foi acertado na eleição de 2014, vencida pela presidenta Dilma.

Por mais que a diferença tenha sido pouco, Dilma venceu o segundo turno e esse projeto era o da maioria da nação. A imprensa sempre representou a presidenta Dilma de uma forma caricata. Mas quem a conhece, quem trabalhou com ela, sabe que ela é uma pessoa preocupada, carinhosa e solidária. Ela tem uma série de virtudes que a mídia nunca apresentou. O que interessava era apresentar uma pessoa histriônica. A presidenta Dilma é uma pessoa muito determinada e firme. Por vezes, ela expressa a opinião dela com uma firmeza que pode chegar a ser entendida por alguns como uma rudeza. Mas isso é o modo dela. Todos nós temos os nossos modos. Se as manifestações do ministro Gilmar Mendes não forem rudes, o que é rude afinal? E alguém dessa grande imprensa já representou o ministro Gilmar como uma pessoa histriônica e rude?

Escolheram a mulher Dilma Rousseff para ser a histriônica. É uma imagem falsa que as pessoas fazem dela. Ela não é isso, não. É apenas uma pessoa muito firme. E ainda bem que é firme porque diante de tanta chantagem, da qual foi vítima, para fazer coisas erradas, ela nunca cedeu. Desde o início do governo dela em 2010, ela botou para correr todo mundo que ela viu que estava ali querendo se dar bem e não para atender o interesse público. Nós perdemos muito em qualidade de governança. Naquele triste dia de 11 de maio, quando ela saiu e entrou o novo governo, a diferença era gritante. De um lado, a saída da Dilma com as lágrimas de gente de todas as origens, de índios, sem terra, pessoas de classe média. Depois, entrou aquele grupo de urubus, homens brancos e velhos vestidos de preto, assumindo aquele palácio como se fossem donos dele, coisa que eles não eram, pois o afastamento da Dilma era provisório.

Eles não levaram um minuto para começar a destruir todo o legado que pudessem encontrar do PT. E o fizeram de forma perversa e grosseira. Forçaram a porta, entraram e, de dedo em riste, foram dando esporro na população inteira, dizendo que tudo estava errado e que iam mudar tudo para implantar um Estado mínimo. Um Estado mínimo só serve para quem tem dinheiro. Para quem tem plano de saúde particular e os filhos em escolas privadas o Estado mínimo não significa grandes mudanças no estilo de vida, Mas a grande maioria dos brasileiros e das brasileiras precisa do Estado para que os filhos vão à escola, para que possam ter um atendimento de saúde, para que possam minimamente ter um transporte decente, para que possam ter alguma esperança de, algum dia, ter um teto melhor sobre suas cabeças e talvez um emprego mais digno. Essas pessoas precisam de um Estado que faça políticas sociais, sim.

Para esses homens ricos de cabelo branco e ternos pretos que estão lá agora os programas sociais não valem nada, não lhes dizem respeito. Eles têm uma completa falta de sensibilidade em relação a isso. Talvez não avancem o quanto gostariam de avançar, porque sabem que são ilegítimos e tem medo da reação popular. Se dependesse deles revogariam até a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional. Mas eles vão tentar fazer isso progressivamente, como quem toma sopa quente pelas bordas. Não tenha dúvida disso.
Sul21Na sua opinião, o país está vivendo hoje um estado de exceção?

Eugênio Aragão: Não sei se é um estado de exceção. Acho que é muito mais um estado de engodo. Um estado de exceção significa que as leis, por conta de um risco iminente à segurança e ao bem estar de todos, podem ser suspensas temporariamente. Não é disso que se trata. Nós estamos vivendo um estado de engodo que quer se perpetuar. A palavra golpe tem diversas acepções. Ela pode significar a derrubada de um governo pela violência, através de uma ruptura constitucional. Mas a palavra golpe também se aplica aquela pessoa que perdeu dinheiro investindo num terreno que não existe. Esse é o golpe do 171. O que estamos vivendo hoje, antes de mais nada, é o golpe do 171. Houve a tentativa de se mimetizar um impeachment por crime de responsabilidade quando todo mundo sabia que não era essa a causa e se comportou de forma extremamente hipócrita.

Houve a tentativa de dizer que tudo está podre, tudo está corrupto, o que, diga-se de passagem, é o discurso de todo governo fascista. Hitler, quando assumiu o poder na Alemanha, também disse que a República de Weimar era corrupta, podre e acabava com a pureza dos alemães. Mussolini, quando assumiu, também chegou lá prometendo combater a corrupção da monarquia. Em 1964, aqui no Brasil, foi o mesmo discurso. Dizia-se que Juscelino e Jango tinham "assaltado o país". E agora eles vêm com esse discursinho de novo com a agravante de que ele é sustentado por uma casta burocrática altamente remunerada, oriunda dessa mesma classe média masculina que tomou conta do país, que elabora teorias de sua cabeça a respeito de organizações criminosas com núcleo disso e núcleo daquilo. Elaboram constructos mentais para divulgar a ideia de que está tudo dominado.

Esses sujeitos estão deixando se usar. Esse discurso do combate à corrupção serve muito bem para quem quer desconstruir a legitimidade de um governo, mas na hora em que essa legitimidade está desconstruída, tudo o que se quer é fazer sumir qualquer tipo de ação contra a corrupção. Por quê? Porque a corrupção é um crime de controle, ou seja, é um crime que só aparece quando você investiga. Agora, o novo governo vai fazer de tudo para cortar as asas das investigações. No fundo, o Ministério Público, ao aceitar ser instrumento dessa turma, deu um tiro no pé, pois está se enfraquecendo. Isso vai ser mais rápido do que eles pensam. Esse discurso do combate à corrupção é para convencer gente de dois neurônios.

A corrupção existe em todos os países, em alguns mais, em outros menos. O que cria a corrupção não é a ganância das pessoas, como afirma o discurso moralista, mas sim os gargalos disfuncionais dos processos administrativos. Quando é difícil você obter um resultado que você quer na sua relação como administrado com a administração, você tende a querer facilitar esse processo ou a criar algum tipo de atalho por meio da distribuição de benesses para os funcionários. Isso é uma forma de descarregar esse processo administrativo pesado. Há economistas que sustentam que, às vezes, para o desenvolvimento de um país, a corrupção pode ser até benéfica, caso o Estado em questão seja organizado de uma forma tão pesadamente burocrática que seus processos de fiscalização e controle emperram toda a economia.

Para você acabar com a corrupção, é preciso identificar onde estão esses gargalos e tratá-los com transparência, impondo uma política de compliance (agir em sintonia com as regras) clara para a administração. Além disso, é preciso acabar com as brigas corporativas que dificultam a vida do administrado. Essa briga, por exemplo, envolvendo Ministério Público, Polícia Federal, Receita, Defensoria Pública, Ibama e outros órgãos faz com que o Estado acabe dando ao administrado ordens controversas e contraditórias, deixando-o sem saber para onde andar. Esse problema deve ser enfrentado de forma racional, com a cabeça fria, e não fazendo da corrupção um crime hediondo, o pior de todos os crimes porque toma o que é nosso, etc., etc. Esse discurso só serve para você estigmatizar pessoas e arrumar um bode expiatório. Nenhuma sociedade fica bem dentro de um conflito desses em que você qualifica algumas pessoas como impuras e outras como puras.

O Ministério Público está se achando a pureza em pessoa, quando a gente sabe que aqui as coisas não são bem assim. A Corregedoria enfrenta enormes dificuldades. Na época em que fui corregedor só levava bola nas costas com os malfeitos de colegas. Aqui tem tudo, menos santo. Somos pessoas como quaisquer outras, com nossas virtudes e nossos vícios, mas aqui as pessoas se acham acima do bem e do mal, podendo colocar o seu dedo indicador acima das pessoas. Isso não resolve nada, apenas cria tensão social, mal estar, ira e até violência entre as pessoas, inclusive dentro das famílias. Infelizmente é isso que está acontecendo no Brasil. A culpa por isso é desse tipo de atitude.

O fascismo se caracteriza pelo uso de argumentos extremamente simplórios que parecem intuitivos, para pessoas de pouca inteligência. É desse tipo de argumento que o fascismo se utiliza: "todo o judeu é explorador", "todo índio é preguiçoso" e coisas do tipo que vêm acompanhadas por falácias enormes de modo a que pessoas desprovidas de inteligência possam cair nesta farsa. O fascismo mobiliza para a violência, ele mobiliza as pessoas para fora do seu normal. Ele é essencialmente mau e perverso. Nós estamos vivendo uma onda de fascismo que talvez não tenhamos visto nem na ditadura militar.
Sul21O senhor tem sido um crítico de vários procedimentos adotados pelo juiz Sérgio Moro e vários procuradores da Operação Lava Jato, como ocorreu recentemente com a denúncia apresentada pelo procurador Deltan Dallagnol contra o presidente Lula? Como o senhor definiria o atual estágio da Lava Jato?

Eugênio Aragão: A Lava Jato é uma das operações mais tortuosas da história do Ministério Público. A gente sente claramente que os alvos são escolhidos. Há delações claras em relação a outros atores que não pertencem ao grupo do alvo escolhido e que simplesmente não são nem incomodados. Em relação aos alvos, a operação chega a ser perversa e contra a dignidade da pessoa humana. Utilizar-se da condução coercitiva quando não há resistência é de uma violência inominável. Não adianta usar esse argumento cretino de que isso é feito para evitar prévia combinação de depoimentos entre os intimados. Se eu sou intimado na fase pré-processual, posso até calar a boca e voltar para casa. Se eu quiser, em casa, combino com o resto e volto para a polícia. A condução coercitiva não impede combinação de depoimento. Isso é uma lenda urbana que o juiz Sérgio Moro criou. Mas isso não consegue esconder que ele está ultrapassando os limites do Código do Processo Penal. Neste código, a condução coercitiva só é prevista para aquele que resiste em comparecer depois que foi intimado.

Pior ainda são as conduções coercitivas feitas com a presença da imprensa que é convocada para o ato, expondo as pessoas. É uma volta às Ordenações Filipinas, na medida em que expõe as pessoas como troféus do Estado, fazendo-as circular pelas ruas com baraços e pregão para que todo mundo possa jogar tomates e ovos podres em cima delas. Isso é o que ocorria na Idade Média. Não fazemos mais isso. O Estado tem que ser tímido e recolhido quando ele usa o Direito Penal porque ele não sabe se está realmente certo de que está fazendo Justiça ou não.

Sul21Dentro do Ministério Público, além da sua voz que tem sido bastante enfática nesta crítica, há uma resistência maior em relação a esses procedimentos?

Eugênio Aragão: Há outras pessoas que pensam como eu. Pelo fato de eu ter sido ministro da Justiça durante os dois últimos meses do governo Dilma e de antes de ter sido vice procurador geral eleitoral, minha voz acaba soando mais forte. Mas a grande maioria do Ministério Público hoje acha que a Lava Jato é a última Coca Cola do deserto. Na última semana, o Conselho Nacional do Ministério Público, que é o órgão de controle da nossa atividade, premiou a Lava Jato. E se eu me queixar da Lava Jato para um órgão que previamente premiou essa operação, como é que fica? Como é que um órgão de controle pode premiar uma operação que está sob severa crítica pública? Qual a isenção que esse órgão terá na hora que precisar avaliar representações contra a Lava Jato, se ela já foi premiada? As pessoas estão perdendo o senso de limite.

Sul21O senhor referiu em vários momentos o papel da mídia neste processo envolvendo a derrubada da presidenta Dilma e a Operação Lava Jato. Como definiria esse papel?

Eugênio Aragão: A grande mídia comercial brasileira depende muito das verbas publicitárias dos governos. Essa mídia comercial está cartelizada politicamente. Agora estão com o tom de levantar a bola para o governo Temer fazer o gol e de seguir satanizando o PT e o que significaram os governos Lula e a Dilma para o Brasil. A nossa sorte hoje é que muitas pessoas estão deixando de ler esses jornais. Na minha casa, não entra nem Folha de São Paulo, nem Estadão, Globo ou Correio Braziliense. Eu me informo através da internet que traz uma enorme variedade de acessos à informação. Além dos chamados "blogs sujos" eu posso ler a imprensa estrangeira. Tenho a opção de ler artigos sérios. Para quem tem algum tipo de discernimento, a opinião de jornais como Folha, Estadão e Globo não tem o peso que tinha antigamente. Tanto é assim que esses jornais estão todos atravessando uma crise financeira violenta. Eles não servem mais nem para se informar sobre coisas básicas. Se eu quero saber se uma determinada loja abre no fim de semana, eu busco essa informação pela internet.

Sul21Ainda sobre a Lava Jato, há quem relacione essa operação hoje a interesses de empresas e mesmo governos de outros países em riquezas como a do pré-sal. Na sua avaliação, há uma espécie de dimensão geopolítica nesta operação?

Eugênio Aragão: Não sei. Eu acredito que o Ministério Público pode estar sendo usado, mas o Ministério Público é tão endógeno na sua visão, tão perdido em cima do seu próprio umbigo que não sei nem se tem inteligência para isso. Eles podem estar sendo usados, sabendo ou não sabendo. Não existe gente preparada em Curitiba com essa estratégia toda para bolar uma coisa dessas.

Sul21E quanto ao juiz Sérgio Moro?

Eugênio Aragão: Também não acredito que ele tenha capacidade para isso. O juiz Sérgio Moro é uma pessoa extremamente vaidosa que encontrou um nicho para se exibir à sociedade brasileira. Isso faz parte de um projeto pessoal. Ele gosta de ter essa cara de mau, de um sujeito inabalável nas suas convicções, um verdadeiro inquisidor mor. Ele adora fazer esse papel. Mas esse é um problema que ele tem que resolver com o seu psicólogo.

Sul21Diante desta conjuntura, qual cenário de futuro é possível prever?

Eugênio Aragão: Eu acredito que, depois que essa crise amenizar, o Ministério Público e o Judiciário terão que ser passados a limpo. Não podemos mais fazer o que a gente fez. Isso colocou o país de cabeça para baixo. Quase um milhão de empregos já foram perdidos nesta crise. E os desempregados não são os procuradores da República nem os juízes federais. Você faz uma operação desse porte, destruindo a economia e está pouco se lixando com o que acontece porque o seu está garantido no final do mês. Só que se a economia quebra, o Estado também quebra e aí o Estado não vai mais pagar a eles o que eles acham que valem. Isso precisa ser repensado urgentemente. O corporativismo mata a governabilidade no Brasil.

Sul21: Mas será possível que o Ministério Público e o Judiciário se repensem a si mesmos?

Eugênio Aragão: Não sei, não sei, mas se tiver uma Constituinte, a gente repensa, não é?

domingo, 25 de setembro de 2016

PAULO HENRIQUE AMORIM COMENTA


FHC dá a senha do Golpe-2017
Como não tem ele, não tem ninguém

publicado 25/09/2016

O proprietário do apartamento do Safdié em Hygyenopolis e beneficiário do apartamento do Jovelino em Paris, FHC Brasif tem a inteligência menor que a vaidade - dizia o mestre Leandro Konder.

Na 982a. entrevista nessa semana ao PiG - como se sabe, ele só existe no PiG -, o Príncipe da Privataria deu a senha do Golpe de 2017, o do Gilmar (PSDB-MT), que consiste em derrubar oTraíra no Tribunal (sic) Superior (sic) Eleitoral e eleger, indiretamente, ele próprio, Gilmar, o FHC ou o embaixador da Transilvânia na ONU (quá, quá, quá!).
À Fel-lha, ele diz:
- que o Temer é um bestalhão;
- que o
 Meirelles é outro bestalhão;
- que o Meirelles não será do Temer o que ele foi para o Itamar;
- que o programa econômico deles não vai dar em nada;
- que não há lideres, porque se houvesse estaria tudo resolvido.
O que significa dizer que, como ele está fora do páreo - diante abismal impopularidade e a avançada idade - não tem ninguém.
- O Lula, coitadinho, ele prefere até não pisar em cima…
Não é preciso ser um Ataulpho Merval para entender a secreta essência das parlapatices hipócritas do proprietário da fazendola do Serjão.
FHC decretou a pré-falencia do Traíra.
Todos ao Golpe do Gilmar!
Do resto, cuidam o Moro e os neo-redatores do AI-5 da Justiça (sic) dos 13 a 1.
Fernando Henrique morrerá impune!

O que já terá sido um grande negócio!

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

SOBRE A PRISÃO, AGORA, DE GUIDO MANTEGA

O golpe continua, na forma de violação da constituição. Veja este post, do O Cafezinho.

ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE AS ELEIÇÕES DOS EUA

Elas nos afetam, fora de qualquer dúvida.

Mas como brasileiros devemos distanciar-nos da condição de subalternos para poder pensar como outro país, extremamente afetado pelas ações deles, tanto no domínio doméstico, como no externo (diplomacia, espionagem e subornos, guerras diretas e por procuração).

Os republicanos são todos mais ou menos John Wayne. Trump é uma versão mais folclórica, ridícula e perigosa do voluntarismo estadunidense.

Os democratas, antes de mais nada, são como os republicanos, crentes do excepcionalismo. Este é uma forma de culto ou religião nacional que parte do pressuposto de que o que a mídia de lá e os políticos determinam ser os interesses dos EUA devem ter supremacia sobre todo o planeta (por ora). 

Não é possível no momento estabelecer quem é mais perigoso para o resto do mundo, principalmente o para o"quintal" deles, como o ministro de relações exteriores deles, John Kerry, chamou carinhosamente a América Latina, de que faz parte o Brasil. 

O Obama pareceu muito inteligente no início, tão inteligente e preparado como Bill Clinton antes de assumir. Mas todos eles, como líderes máximos de seu país. consideram-se  no direito de intervir por todos os meios, inclusive a violência, em qualquer parte do mundo. Nenhum deles foi capaz de fazer um contraponto aos lobbies da guerra e dos bancos e das grandes corporações.

Os dois candidatos nestas eleições decidiram eleger um inimigo máximo dos EUA.

Hillary Clinton escolheu a Rússia, mesmo inimigo preferido por Obama e pela maior parte das mídias dos EUA e "ocidentais", depois de terem promovido a derrubada do presidente da Ucrânia, colocando um governo anti-russo (inclusive militarmente) no lugar. Donald Trump preferiu eleger a China, procurando um culpado pela perda de competitividade dos EUA, além de ser culpada pelo que chama "o grande embuste" da mudança do clima. Aqui, Trump lembra a postura agressiva da Inglaterra contra a Alemanha nas duas décadas que antecederam a primeira guerra mundial.

Trump representa os racistas brancos contra os diferentes deles dentro dos EUA, mas os dois estão voltados para submeter o resto do mundo, excetuados os países da NATO, que voluntariamente têm se submetido às suas diretrizes. Um Brasil mais forte e independente é intolerável. 

Enquanto isso, um político que poderia aproximar seu país a uma postura menos reacionária em relação ao progresso de outros países, por pouco perdeu a indicação para a senhora Clinton. Oportunidades perdidas.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

E AGORA?

A curto prazo, as coisas vão piorar. Tempos interessantes.


TARSO GENRO, SOBRE DELTAN DALAGNOL E ASSOCIADOS

Publicado no Sul 21 e republicado no Viomundo
Direito que se derrete em silêncio: de Vyshinsky a Deltan
Por Tarso Genro
Deltan Dallagnol, mestrado em Harvard, pregador religioso batista, surfista que viaja para Indonésia para buscar ondas perfeitas, Procurador da República, 36 anos, tido como estudioso da “operação mãos limpas”, tem uma obsessão. É o que informam os seus colegas e celebram os jornalistas que lhe admiram: combater a corrupção no país. O que lhe diferencia, porém, não é esta obsessão. Ela é comum a milhões de brasileiros, servidores públicos, trabalhadores e empresários, membros do Judiciário, políticos de vários partidos e cidadãos comuns, que lutam todos os dias pela sobrevivência. O que lhe diferencia é a sua visão ideológica fundamentalista, o seu messianismo provinciano e a sua tendência ao autoritarismo de caráter fascista.

O espetáculo que o Procurador Dallagnol promoveu, recentemente, através de uma verborragia delirante, lamentavelmente nada tem a ver com o combate à corrupção. Muito menos com o “devido processo legal”, numa sociedade civilizada. Tem a ver, independentemente da sua vontade imediata, com a estabilização do golpe, que é feita através de uma seletividade de denúncias destinadas a fazer esquecer quem — neste momento —  ocupa o poder, cujos propósitos nada tem a ver com a luta contra a corrupção. Tudo a ver com o “ajuste” liberal, para sucateamento de direitos e a redução drástica das funções públicas do Estado: a transformação do Estado, de estado provedor (mínimo) em estado pagador da dívida pública (máximo).

Utilizando um “Power Point”, com “frases de efeito e comunicação rápida visual” – como registrou em Zero Hora (17\18 set.) o jornalista Guilherme Mazuí – Dallagnol fez a fusão de um fundamentalismo religioso de escassa base republicana, com um messianismo autoritário, digno dos Processos de Moscou e dos Processos “legais”, da época do nazi-fascismo. Apontou, semeou mais um pouco de ódio contra o PT, denunciou, julgou e foi mais além: disse, publicamente, que o já “condenado” (conforme demonstrara o seu “Power Point”!) não poderia mais dizer “que não sabia”, completando a sua exposição, portanto, com uma restrição explícita ao direito de defesa do acusado. Não apresentou provas e não fez denúncia processual nem perto do que expôs, de maneira virulenta e desrespeitosa, ameaçando, ainda, o restante da família do ex-Presidente.

Este artigo não afirma que Lula é inocente, o que é trabalho para dos seus advogados. Nem que ele não deva ser investigado, o que ele mesmo registrou com humildade na sua fala de resposta. Registra, porém, uma visão crítica sobre como está funcionando o nosso Sistema de Justiça, neste momento difícil do Estado de Direito, para alertar que qualquer pessoa, submetida a um “Power Point” como aquele apresentado pelo Procurador Dallagnol, mesmo sem provas (e sem o contraditório realizado no próprio ato), está sendo submetida a um linchamento público, não a um processo judicial compatível com um Estado de Direito minimamente respeitável.

Em que convicções se fundamentaram as frases de efeito do jovem Procurador, que se avoca estar salvando a nação?  É fácil de apontar. Em audiência com parlamentares em junho deste ano, repetindo juízos dramáticos proferidos em outras oportunidades, o Procurador sintetizou a sua visão de mundo e do Direito: “A corrupção é uma assassina sorrateira, invisível e de massa. Ela é um serial killer que se disfarça de buracos de estradas, de falta de medicamentos, de crimes de rua e de pobreza.” (ZH 17\18 set). Tudo falso. Frases de efeito, sem fundamentação científica ou doutrinária, e pior: a partir da fórmula vulgar, de que a corrupção é uma “assassina sorrateira”, o Procurador transforma-a numa mera “impressão” cotidiana, que aparece diretamente na debilidade das prestações públicas do Estado. Nesta fórmula, então, a corrupção não é um mecanismo clássico e visível de estabilização do poder, utilizado por todos os governos (tanto dentro como fora do Estado de Direito), mas um veneno promovido pela falta de ética e de religião (por sorrateira e invisível) como, aliás, é descrito o próprio diabo, nos diversos fundamentalismos de mercado.

Imputar as carências das prestações públicas à corrupção, todavia, não é um acidente. É uma afirmação que pertence a um conceito, não só sobre os motivos pelos quais emerge a corrupção (como se ela decorresse só da faltas éticas de pessoas que governam), mas também sobre os métodos mais adequados para combatê-la. Mas é conceito de um autoritarismo gritante, que permite dissolver a neutralidade formal do Estado que codifica e organiza os tipos penais, substituindo estes tipos penais pelas pessoas escolhidas para representá-los. O crime, que em si, é invisível (sorrateiro e “de massa”), que não é compreendido nem visto pelos comuns dos mortais, é apresentado ao vivo por pessoas escolhidas pela ideologia do inquisidor. Ao colocar o nome de Lula, sem provas, no centro do seu diagrama, o Procurador desvela a “invisibilidade” e apresenta o seu criminoso preferencial, para o escárnio da plateia em transe.

Não trata, portanto, este método, de apontar com provas a corrupção, com base naquilo que está regulado pelo Direito do Estado, mas de escolher os criminosos através de critérios políticos, a partir de uma ética pessoal, fundamentalista e religiosa, que faz a inquisição de um mundo impuro controlado pelo mal. Tais pressupostos é que permitiram o Procurador Dallagnol adiantar que “Lula não pode mais negar”, ou seja, não pode mais se defender dizendo que “não sabia”, lembrando os recursos verborrágicos de Hitler, para acabar com a República de Weimar, acusando-a de corrupta e “antinacional” e que, por isso, não deveria sobreviver. Lembra, também, as acusações de “sabotagens” econômicas e de “espionagem”- feitas pelo Promotor Vishinsky contra os velhos bolcheviques nos Processos de Moscou- que criticavam o regime porque este não conseguira debelar a fome, e, por isso, eram traidores que não mereciam a presunção da inocência.

Vamos decompor este discurso do Procurador: a corrupção não é uma assassina “sorrateira”, nem “invisível”, nem “de massa”. Ela é um modo de fazer política — aberto e visível — de setores de partidos, de parte da plutocracia nacional, de setores de empresas e gestores públicos, que formaram o Estado Brasileiro tal qual ele é, cuja centralidade corrompida é a própria estrutura do Orçamento Público e o seu sistema político. O Orçamento reserva mais de um terço dos seus recursos — não para remédios e estradas — mas para sustentar os credores da dívida pública, os acumuladores sem trabalho, que hoje — na verdade — reinam com as suas receitas contra as crises, em todos os países endividados do mundo. A crença de que a corrupção é “sorrateira” e “invisível”, autoriza que tanto a sua visibilidade seja uma escolha, como a sua invisibilidade seja uma regra. Na verdade, os agentes da corrupção querem ser invisíveis e são sorrateiros, mas ela é um processo tão aberto e tão visível, que bastou ter um Governo que aparelhou os órgãos de controle e investigação no Brasil, que ela começou a ser combatida em vários setores da vida pública.

As “mãos limpas” e os processos do “mensalão” e da “lava jato” (embora tenham aberto um novo ciclo na luta contra a corrupção no Estado de Direito) geraram deformidades monstruosas nos seus objetivos, tais como na Itália com os 11 anos de Berlusconi, e aqui no Brasil, com um Governo com Temer, Jucá e Padilha. Isso quer dizer que a luta contra a corrupção é inútil? Jamais. Quer dizer que, se ela for implementada pelos métodos do messianismo religioso, em regra falsamente moralistas, e não for tratada como um processo complexo e profundo -institucional e cultural-  no âmbito público e privado, dentro dos parâmetros consagrados no Estado de Direito, ela volta com  mais força e com mais capacidade de se tornar impune.

A corrupção não é, portanto, nem “sorrateira” nem “invisível” nem “de massa”. Ela é visível, tão clara e determinável, que os nossos próprios marcos legais, não somente estimularam o surgimento de uma boa parte da “classe política” fundada na propina — face ao sistema político do financiamento dos partidos pelas empresas — mas, igualmente a fizeram crescer numa parte do empresariado, a partir do imperativo da sonegação, naturalizada como “legítima defesa”.

A corrupção, portanto, não está sequer representada pela “falta de remédios”, pelos “crimes de rua” ou pelos “buracos nas estradas”. Ela é bem mais “efeito” destas necessidades não satisfeitas por um Estado corrompido pelo culto dos juros manipulados, do que causa das carências dos serviços públicos.  Dizer que a corrupção é “invisível”,é uma artimanha para que os tidos como corruptos “da vez”  -presumidamente escondidos nesta invisibilidade-  sejam “apontados”, justa ou injustamente,  por decisões messiânicas a serviço de propósitos políticos imediatos. Por isso, os “decisionistas” — como homens da “exceção” — precisam de “Power Points” e frases de efeito, para montar os seus processos, onde o direito de defesa é lesionado e a presunção de inocência deixa de existir antes do processo judicial, cuja sentença é antecipada por entrevistas bombásticas.

Em 12 de março de 1938, no “terceiro processo de Moscou”, não tendo obtido provas, mas baseando-se em acusações de co-réus  e dos réus devidamente torturados – naquele tempo não se usava a delação premiada — André Vychinsky, o Procurador, fez as suas alegações finais: “Todo o nosso país, jovens e velhos, espera e reclama uma só coisa: que os traidores e espiões que vendiam a nossa pátria ao inimigo sejam fuzilados como cães sarnosos! O nosso povo exige uma só coisa: que os répteis malditos sejam esmagados!”  Ao apresentar publicamente a sua “convicção”, em entrevistas retumbantes, após centenas de matérias da mídia oligopólica — com vazamentos seletivos e interpretação sem contraditório — o Procurador Dallagnol já tornou os réus culpados absolutos, antes de começar o processo. Fez, assim, no começo, a peroração definitiva e terminativa, antes da aceitação da sua denúncia. Vyshinsky a fez no final dos procedimentos totalitários. A ordem não altera o fato de que ambos agiram contra o Direito civilizado.

O jurista do nazismo, Carl Schmitt, no artigo publicado em 30 de julho de 1934, “O Führer protege o direito” – ao examinar a conduta de Hitler na “noite das facas longas” em que este se posicionou contra a submissão do Exército Alemão às forças irregulares de Ernst Rohm (SA) — chancelou o direito ao assassinato de mais de 150 militantes do nacional-socialismo, autorizados por Hitler, com a seguinte fundamentação: “os atos de natureza política somente poderiam ser objeto de julgamento (“decisão) de um magistrado político, o Führer”. Pergunta que se impõe, em defesa do Estado de Direito: os Procuradores Federais no Brasil, são os Juízes “totais” de si mesmos, Magistrados do Direito e da Política, só porque tem o apoio irrestrito do oligopólio da mídia? O Estado de Direito se derrete neste silêncio, omissivo e cúmplice. Ele nos faz reféns do fundamentalismo religioso e do “decisionismo” jurídico, que pode, sim, também um dia, comer seus próprios filhos.

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Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

ANÁLISE POLÍTICA, POR LUIS NASSIF

A abertura é essa mesmo. É preciso juntar a esquerda mais todos os centristas que estão dispostos a apostar na democracia.

Xadrez dos desdobramentos do Power Point
por Luís Nassif, no Jornal GGN
Peça 1 - a luta política global
Anos atrás, o ex-presidente espanhol Felipe Gonzáles alertou Lula, conforme testemunhou o governador do Piauí Wellington Dias:
-- Lula, prepare-se que eles vão querer te processar, cassar ou prender. Se não conseguirem, vão tentar te matar.
O alerta, com pitadas trágicas, não é para ser ignorado. O próprio Gonzáles fora alvo de uma caçada implacável, parceria da mídia com o Ministério Público espanhol. Não apenas ele. Trata-se de uma luta política global que tem vitimado, uma a uma, as principais lideranças da socialdemocracia mundial. No caso brasileiro, de forma mais explícita devido ao baixíssimo nível dos principais protagonistas políticos, jurídicos e midiáticos envolvidos.
Por uma questão de realismo, para tentar traçar qualquer cenário futuro é importante que sejam consideradas as seguintes premissas:
1. Não se está definitivamente em um estado democrático de direito. Portanto, manifestações de isenção serão a exceção, não a regra.
2.  A pantomima montada pela Lava Jato de Curitiba é a comprovação cabal de que a Procuradoria Geral da República e a Lava Jato são personagens de um enredo maior, cujo objetivo final é liquidar com Lula e o PT.
3. A anulação de Lula exige um aumento dos abusos; e esse aumento dos abusos poderá despertar a consciência jurídica de setores até agora à margem dessa disputa.
4. Por tudo isso, o sub-show de ontem, em Curitiba, não encerra a temporada de caça a Lula e significa uma nova etapa na disputa política. Do mesmo molde que o vazamento das conversas de Dilma e  Lula – que expôs Rodrigo Janot –, e sua condução coercitiva – que expôs a Lava Jato. Agora, obrigará o Judiciário a tomar uma atitude, coibindo o arbítrio, ou rasgar a fantasia e assumir-se definitivamente como poder discricionário.
Peça 2 - a acusação
A peça de acusação leva aos limites da teoria do domínio do fato, comprovando definitivamente a orquestração política, da qual o MPF é peça central.
O que faz ela?
1. Descreve todas as injunções do presidencialismo de coalizão, mostrando que as barganhas são fundamentais para a governabilidade.
2. Depois, lista várias barganhas no governo Lula - entre as quais as diretorias da Petrobras - admitindo que eram essenciais para a governabilidade. Mas... no caso de Lula a barganha serviu para financiar os partidos, para enriquecimento pessoal e para perpetuar o PT no poder. Pouco importa os diversos depoimentos sustentando que barganhas com a Petrobras existem há décadas. E o maior beneficiário pessoal da corrupção foi Lula.
A prova do pudim é provar que Lula enriqueceu com dinheiro ilícito. Bate no tríplex:
Diz a acusação: Lula visitou o tríplex com o presidente da OAS e com dona Marisa. Logo é prova de que é dono do tríplex.
Diz a defesa: dona Marisa tinha cotas do edifício em questão. O tríplex foi oferecido a ela pela OAS. Lula visitou-o com Léo Pinheiro e dona Marisa. Não gostou e não ficou com o imóvel.
Prova do pudim: qualquer documento que comprove que Lula algum dia teve a propriedade do imóvel. A acusação não apresentou nenhum, porque "não temos provas, mas temos a convicção". A defesa apresentou as provas de que o apartamento tem outro proprietário.
A segunda “acusação” foi a de que a OAS bancou a guarda dos bens que Lula acumulou, enquanto presidente.
Prova do pudim: provar que os bens têm valor monetário para Lula.
Realidade: são bens da Presidência de República sob guarda do ex-Presidente. Portanto, inegociáveis.
A comprovação final seria a investigação das contas do escritório Mossak Fonseca, especializado em lavagem de dinheiro. O tríplex em questão era de alguém com conta em paraiso fiscal montada pelo escritório. Mas, assim que se depararam com uma conta offshore em nome da família Marinho, a Lava Jato interrompeu as investigações sobre a Mossak Fonseca. Nada mais se disse, nada então vazou.
Montaram um edifício retórico em cima de uma estrutura de bambu com requintes de crueldade, ao indiciar dona Marisa. E agora?
Peça 3 - os desdobramentos políticos
A insuficiência da acusação cria um enorme problema para o juiz Sérgio Moro e o TRF4.
O envolvimento do juiz com a acusação - fato que afronta qualquer norma de direito - foi saudado como sinal de profissionalismo, do juiz que sabe o que está acontecendo e impõe mudanças no rumo das investigações, quando considera que não estão bem embasadas.
Moro derrotaria Moro, não aceitando a denúncia? Evidente que não.
A bomba, então, será transferida para o TRF4. O endosso à acusação significará um passo largo em direção ao arbítrio e um tiro no coração do argumento de que Moro jamais foi questionado pelos tribunais superiores por ser dotado de uma técnica jurídica superior.  Jamais foi questionado ou por afinidade política ou por receio do rugir da besta das ruas.
A prova dos 9 será a tramitação dessa denúncia que traz desdobramentos complexos para o nosso Xadrez.
Ela foi atacada pelo PT por razões óbvias; e por blogueiros estreitamente ligados ao Gilmar Mendes e José Serra, por razões sutis. O grupo de Gilmar se valeu da acusação para enfraquecer a Lava Jato, prevenindo eventuais futuras ações contra Serra e Aécio Neves. De um lado, festejam mais uma ofensiva midiática contra Lula. De outro, celebram a fraqueza penal da acusação.
Conseguindo emplacar a tese da mediocridade da peça acusatória - tarefa facilmente demonstrável - se fortalecerá a reação, quando, em um ponto qualquer do futuro, a Lava Jato se dignar a olhar para o PSDB. Saliente-se que a peça é vergonhosa, mesmo.
Mas, por outro lado, poderão prejudicar a estratégia macro, de inabilitação de Lula para 2018. Preso por ter cão; preso por não ter cão.
Como pano de fundo, tem-se movimentos tectônicos na política, com o quadro partidário começando a ser redesenhado após o terremoto.
Peça 4 - o fator PSDB e a frente do golpe
A lógica do xadrez é insuficiente para abarcar as múltiplas possibilidades que se abrem, pelo fato de haver vários atores aliando-se taticamente em um momento, entrando em conflito no momento seguinte, sem nenhuma coerência ideológica, nem histórico de lealdade pessoal. É quebra-pau de saloon de faroeste. O mais bonzinho traiu o melhor amigo no dia seguinte ao da sua nomeação.
A primeira grande confusão são as expectativas de cada ator que se uniu para deflagrar o golpe:
·       A camarilha dos 6, de Temer: apostando em ir além de 2018. Para tanto atuará em duas frentes: evitará medidas que possam ampliar a impopularidade; jogarão para adiar as eleições de 2018, inclusive apostando no endurecimento do regime. E, consequentemente, serão gradativamente deserdadas pelo mercado.
·       Os PSDBs: de Aécio e Alckmin em conflito cada vez maior com a camarilha dos 6 e entre si. Seu principal líder, o Ministro Gilmar Mendes, tem poder de fogo no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), podendo se dar por ali o desfecho dos conflitos. José Serra está fora do jogo maior, louco para ser abrigado pelo PMDB de Temer, e também tem Gilmar como aliado.
·       Temer equilibra-se entre os dois grupos. É político menor que se move por sobrevivência política de curto prazo e precisa ser guiado. Antes, o cão-guia era Eduardo Cunha. Agora é Eliseu Padilha e Romero Jucá. Se precisar se apoiar no PSDB, aderirá.
·       O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, começando a se entusiasmar com a possibilidade de ser um substituto de Michel Temer, caso o “Fora Temer” e os conflitos com o PSDB forcem o TSE a impichá-lo também.
·       O PGR Rodrigo Janot, jogando preferencialmente com o PSDB de Aécio Neves, mas tendo como objetivo maior a destruição de Lula e do PT. Adiará o máximo possível qualquer denúncia contra Aécio. É ambicioso e abraça apaixonadamente qualquer causa que lhe garanta poder, mesmo que seja totalmente contrária à paixão anterior.
·       O STF (Supremo Tribunal Federal), preso em suas contradições e temores.
Todas as alternativas abaixo são possíveis, dependendo das circunstâncias do momento:
1.     Uma aliança entre Gilmar-Aécio-Rodrigo Maia-Janot visando impugnar Temer a abrir espaço para um governo do PSDB tendo Maia como presidente, Gilmar atuando junto ao TSE e Janot junto ao STF, tirando da maleta mágica denúncias contra a camarilha.
2.     Uma aliança entre Gilmar-Temer-PSDB-Janot, com recrudescimento político, com o aumento da ofensiva do Ministro da Justiça e do Gabinete de Segurança Institucional com as PMs estaduais em torno da figura do inimigo interno. O PGR ampliaria o exercício do direito penal do inimigo, tentando conferir algum formalismo legal ao jogo e ajudando a dizimar os políticos recalcitrantes.
3.     Uma aliança Temer-Serra-Renan, esvaziando a camarilha sem abrir espaço para o PSDB.
Peça 5 - o fator Lula e PT
É nesse quadro confuso, de um grupo de poder heterogêneo, sem lealdades e sem projeto de poder – a não ser o de leiloar o país – que se entende mais facilmente a ofensiva contra Lula. Depois do vexame de ontem, a Lava Jato virá com outro inquérito secreto, usando o modelo Gilmar Mendes no TSE, pretendendo investigar UMA empresa que contratou UMA palestra de Lula. Repito: UMA. A síndrome do Fiat Elba – que serviu para condenar Fernando Collor - não os abandona.
Nos próximos meses haverá mudança drástica no panorama dos partidos políticos, especialmente os de esquerda, com o PT dizimado pelo “mensalão” e o “petrolão”, e com uma direção incapaz de entender os novos tempos e sem a iniciativa de abrir o partido para a renovação, sequer para o belo think tank representado pelo Instituto Perseu Abramo.
Há dois caminhos possíveis:
1. A manutenção do PT atual, com algum arejamento na direção, ambicionando manter o protagonismo de uma frente de esquerda.
2. A criação de um novo partido, juntando o PT e partidos menores e políticos progressistas ainda aninhados no PMDB, PSB e outros.
O segundo caminho é defendido por lideranças expressivas do PT, como o governador do Piauí Wellington Dias. Seria a maneira de arejar o partido e permitir a montagem de uma grande frente.
Se o PT insistir em se colocar à margem, mantendo a gerontocracia que o governa, e pretender liderar essa frente de esquerdas, será engolido rapidamente por algum novo partido que surgir com esse propósito.
Por isso mesmo, prepare-se para, dentro de algum tempo, conviver possivelmente com uma nova sigla de esquerda.
Em qualquer quadro, a presença política de Lula é componente central: as esquerdas se recompõem sem o PT; mas demorarão muito mais a se recompor sem Lula.
Quem ouviu o discurso de Lula, ontem, saiu com a certeza de que, se o deixarem solto, em pouco tempo arregimentará seguidores para a frente das esquerdas. Por isso mesmo, seria medida de prudência ficar atento aos alertas de Felipe Gonzáles e reforçar a segurança de Lula.

A política ingressa definitivamente em um novo ciclo e Lula é a única liderança nacional sobrevivente desses tempos de terremotos e redes sociais.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

LULA E SEUS ADVOGADOS RESPONDEM

Do Brasil 247. Lembram do sequestro de Abílio Diniz, quando um delegado colocou à força uma camiseta do PT em um dos sequestradores para aparecer na Globo e na "grande" imprensa? Pois é. Acho que houve crime eleitoral, não? Foi punido? O golpe existe há muito tempo, na cobertura do PIG e nas ações ilegais, nunca coibidas de agentes do Estado.


LULA: EU TENHO CONVICÇÃO DE QUE QUEM MENTIU ESTÁ NUMA ENRASCADA

Na coletiva em que rebate a denúncia do Ministério Público, Lula disse que o seu "fracasso não teria despertado tanto ódio contra o PT. O que despertou a ira foi o sucesso desse governo"; Lula disse que seus acusadores e parte da imprensa "estão enrascados", porque "construíram uma mentira, uma inverdade, como se fosse um enredo de uma novela. E tá chegando o fim do prazo, precisam concluir a novela: acabar com a vida política do Lula"; ele disse ainda "eu tenho convicção e tenho prova de que é possível mudar esse País", ironizando procuradores que disseram não ter provas, mas convicção de que Lula é culpado; o ex-presidente disse que "cada petista tem que começar a andar de camisa vermelha"; "Estou com 70 anos e com vontade de viver mais 20, a história mal começou", discursou
247 - O ex-presidente Lula fez nesta tarde um pronunciamento à imprensa nacional e internacional sobre a denúncia do Ministério Público Federal apresentada ontem contra ele.
Em sua fala, Lula alfinetou FHC, que, segundo ele, apostava no seu fracasso. "Ele não sabia que eu tinha em mente o fracasso do Lech Walesa. Eu dizia: eu não posso fracassar e tinha como uma profissão de fé não errar", disse.
"Eu fui humilde: se cada brasileiro pudesse realizar três refeições por dia, eu já tinha realizado a obra da minha vida", acrescentou.
Lula destacou que o ex-presidente Juscelino Kubitschek deve ter sido vítima de mais inquéritos do que ele. Getúlio em quatro anos de democracia se matou, afirmou.
"Tentaram fazer comigo o que fizeram com a Dilma em 2005. O objetivo era tirar o Lula já em 2005", declarou.
Para Lula, o seu "fracasso não teria despertado tanto ódio contra o PT. O que despertou a ira foi o sucesso desse governo". "Se quiserem me tirar, vão ter que disputar comigo na rua", ressaltou.
Sobre o impeachment de Dilma Rousseff, ele lembrou que foi articulado "por um homem que acaba de ser cassado". "Conseguiram dar um golpe pacífico", disse, ponderando, no entanto, a violência da Polícia Militar contra manifestantes.
"Se eles tratassem ladrão como tratam a molecada honesta que vai para rua, talvez não tivesse tanto ladrão. É uma vergonha jornalista ir para a rua de capacete", criticou.
O ex-presidente falou então sobre as instituições no País, e como elas se fortaleceram durante seu governo. Mas afirmou que "a lógica de hoje é a manchete, não os autos de um processo". "Quem é que nós vamos criminalizar?", perguntou, em crítica à Lava Jato. "Só ganha de mim aqui no Brasil Jesus Cristo", acrescentou, sobre acusações contra ele.
Sobre a coletiva do MP, afirmou: “Eles construíram uma mentira, uma inverdade, como se fosse um enredo de uma novela. E tá chegando o fim do prazo, afinal de contas já cassaram o Cunha, já elegeram o Temer, pela via indireta, pelo golpe, já cassaram a Dilma, agora precisa concluir a novela. Acabar com a vida política do Lula. Porque não existe outra explicação para o espetáculo de pirotecnia”.
“Eu respeitaria mais a família deles do que eles respeitaram a minha. Vocês pensam que foi fácil suportar a invasão da minha casa? Invadiram as casas dos meus filhos”, citou Lula. “Até os meus discursos eles levaram do instituto, certamente pra plagiar”.
Ele ironizou o senador Aécio Neves (PSDB-MG) ao dizer que "tinham provas de um helicóptero com 400kg de cocaína, mas não tinham convicção, então liberaram".
“Não sei porque fazer uma coletiva para apresentar a prova de um crime, e não tem crime, tem convicção. Ninguém respeita a lei desse país mais do que eu”, assegurou. “Sou daqueles que acreditam que só com instituições fortes há democracia”, acrescentou.
Lula acredita que "Janot deve estar pensativo hoje", que "os ministros do STF devem estar pensativos. O que aconteceu? À custa do que esse espetáculo? Por que vender um produto que não tem como entregar? Não adianta matar e esquartejar, como fizeram com Tiradentes". "Vocês vão ter problema com o golpe que vocês deram", alertou.
"Vocês não podem permitir que meia dúzia de pessoas estraguem a reputação de uma instituição como o Ministério Público. Eu conheço gente que vive por cinco minutos de fama na televisão, essa pessoa vive pouca. A única coisa que eu peço, por favor, é que respeitem a minha família", pediu.
"Eu não tenho tempo de parar, o país que eu sonho ainda está muito distante de ser construído. Nada, só Deus, pode me fazer parar de lutar", afirmou. "Esta meninada que tá vindo pra rua lutar é um Lula multiplicado por 50 milhões de Lulas pelo país!".
O ex-presidente fez uma provocação aos procuradores, especialmente a Dallagnol, ao dizer que "tem gente que passou em concurso público que é analfabeto político, não sabe o que é governo de coalizão". "Quando eu transgredir a lei, me punam para servir de exemplo. Mas quando eu não transgredir, procurem outro para criar problema", pediu Lula.
Ele disse ainda que "cada petista tem que começar a andar de camisa vermelha". "Estou com 70 anos e com vontade de viver mais 20, a história mal começou", discursou.
O primeiro a falar hoje foi o presidente do PT, Rui Falcão. "O objetivo é retirar da cena política o principal líder do povo brasileiro", disse ele, que denunciou um regime de exceção no Brasil.
Em nota aprovada hoje, a Executiva do PT repudiou o "grotesco espetáculo midiático" do MP, apontou "parcialidade" do procurador Deltan Dallagnol, responsável por apresentar a acusação, e lembrou que ele fez denúncias "confessadamente sem provas".

Abaixo, a nota divulgada ontem pela defesa do ex-presidente Lula:
Lula e D. Marisa Letícia repudiam denúncia da Lava Jato
Denúncia do MPF é truque de ilusionismo; coletiva é um espetáculo deplorável
Luiz Inácio Lula da Silva e sua esposa Marisa Letícia Lula da Silva repudiam publica e veementemente a denúncia ofertada na data de hoje (14/09/2016) pelo Ministério Público Federal (MPF), baseada em peça jurídica de inconsistência cristalina.
A denúncia em si perdeu-se em meio ao deplorável espetáculo de verborragia da manifestação da Força Tarefa da Lava Jato. O MPF elegeu Lula como "maestro de uma organização criminosa", mas "esqueceu" do principal: a apresentação de provas dos crimes imputados. "Quem tinha poder?" Resposta: Lula. Logo, era o "comandante máximo" da "propinocracia" brasileira. Um novo país nasceu hoje sob a batuta de Deltan Dallagnol e, neste país, ser amigo e ter aliados políticos é crime.
A farsa lulocentrica criada ataca o Estado Democrático de Direito e a inteligência dos cidadãos brasileiros. Não foi apresentado um único ato praticado por Lula, muito menos uma prova. Desde o início da Operação Lava Jato houve uma devassa na vida do ex-Presidente. Nada encontraram. Foi necessário, então, apelar para um discurso farsesco. Construíram uma tese baseada em responsabilidade objetiva, incompatível com o direito penal. O crime do Lula para a Lava Jato é ter sido presidente da República.
O grosso do discurso de Dallagnol não tratou do objeto da real denúncia protocolada nesta data – focada fundamentalmente da suposta propriedade do imóvel 164-A do edifício Solaris, no Guarujá (SP). Sua conduta política é incompatível com o cargo de Procurador da República e com a utilização de recursos públicos do Ministério Público Federal para divulgar suas teses.
Para sustentar o impossível – a propriedade do apto 164-A, Edifício Solaris, no Guarujá – a Força Tarefa da Lava Jato valeu-se de truque de ilusionismo, promovendo um reprovável espetáculo judicial-midiático. O fato real inquestionável é que Lula e D. Marisa não são proprietários do referido imóvel, que pertence à OAS.
Se não são proprietários, Lula e sua esposa não são também beneficiários de qualquer reforma ali feita. Não há artifício que possa mudar essa realidade. Na qualidade de seus advogados, afirmamos que nossos clientes não cometeram, portanto, crimes de corrupção passiva (CP, art. 317, caput), falsidade ideológica (CP, art. 299) ou lavagem de capitais (Lei nº 9.613/98, art. 1º).
A denúncia não se sustenta, diante do exposto abaixo:
1- Violação às garantias da dignidade da pessoa humana, da presunção da inocência e, ainda, das regras de Comunicação Social do CNMP.
A coletiva de imprensa hoje realizada pelo MPF valeu-se de recursos públicos para aluguel de espaço e equipamentos exclusivamente para expor a imagem e a reputação de Lula e D. Marisa, em situação incompatível com a dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência. O evento apresentou denúncia como uma condenação antecipada aos envolvidos, violando o art. 15, da Recomendação n.º 39, de agosto de 2016, do Conselho Nacional do Ministério Público, que estabelece a Política de Comunicação Social do Ministério Público.
2- Não há nada que possa justificar as acusações.
2.1 - Corrupção passiva –
O ex-Presidente Lula e sua esposa foram denunciados pelo crime de corrupção passiva (CP, art. 317, caput), no entanto:
2.2.1 O imóvel que teria recebido as melhorias, no entanto, é de propriedade da OAS como não deixa qualquer dúvida o registro no Cartório de Registro de Imóveis (Matricula 104801, do Cartório de Registro de Imóveis do Guarujá), que é um ato dotado de fé pública. Diz a lei, nesse sentido: "Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis". A denúncia não contém um único elemento que possa superar essa realidade jurídica, revelando-se, portanto, peça de ficção.
2.2.2. Confirma ser a denúncia um truque de ilusionismo o fato de o documento partir da premissa de que houve a "entrega" do imóvel a Lula sem nenhum elemento que possa justificar tal afirmação.
2.2.3. Lula esteve uma única vez no imóvel acompanhado de D. Marisa — para conhecê-lo e verificarem se tinham interesse na compra. O ex-Presidente e os seus familiares jamais usaram o imóvel e muito menos exerceram qualquer outro atributo da propriedade, tal como disposto no art. 1.228, do Código Civil (uso, gozo e disposição).
2.2.4. D. Marisa adquiriu em 2005 uma cota-parte da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) que, se fosse quitada, daria direito a um imóvel no Edifício Mar Cantábrico (nome antigo do hoje Edifício Solaris). Ela fez pagamentos até 2009, quando o empreendimento foi transferido à OAS por uma decisão dos cooperados, acompanhada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. Diante disso, D. Marisa passou a ter a opção de usar os valores investidos como parte do pagamento de uma unidade no Edifício Solaris – que seria finalizado pela OAS — ou receber o valor do investimento de volta, em condições pré-estabelecidas. Após visitar o Edifício Solaris e verificar que não tinha interesse na aquisição da unidade 164-A que lhe foi ofertada, ela optou, em 26.11.2015, por pedir a restituição dos valores investidos. Atualmente, o valor está sendo cobrado por D. Marisa da Bancoop e da OAS por meio de ação judicial (Autos nº 1076258-69.2016.8.26.0100, em trâmite perante a 34ª. Vara Cível da Comarca de São Paulo), em fase de citação das rés.
2.2.5. Dessa forma, a primeira premissa do MPF para atribuir a Lula e sua esposa a prática do crime de corrupção passiva — a propriedade do apartamento 164-A — é inequivocamente falsa, pois tal imóvel não é e jamais foi de Lula ou de seus familiares.
2.2.6. O MPF não conseguiu apresentar qualquer conduta irregular praticada por Lula em relação ao armazenamento do acervo presidencial. Lula foi denunciado por ser o proprietário do acervo. A denúncia se baseia, portanto, em uma responsabilidade objetiva incompatível com o direito penal
2.3 – Lavagem de Capitais
Lula foi denunciado pelo crime de lavagem de capitais (Lei nº 9.613/98, art. 1º) sob o argumento de que teria dissimulado o recebimento de "vantagens ilícitas" da OAS, que seria "beneficiária direita de esquema de desvio de recursos no âmbito da PETROBRAS investigado pela Operação Lava Jato".
2.3.1 Para a configuração do crime previsto no art. 1º, da Lei nº 9.613/98, Lula e sua esposa teriam que ocultar ou dissimular bens, direitos ou valores "sabendo serem oriundos, direta ou indiretamente, de crime".
2.3.2 Além de o ex-Presidente não ser proprietário do imóvel no Guarujá (SP) onde teriam ocorrido as "melhorias" pagas pela OAS, não foi apresentado um único elemento concreto que possa indicar que os recursos utilizados pela empresa tivessem origem em desvios da Petrobras e, muito menos, que Lula e sua esposa tivessem conhecimento dessa suposta origem ilícita.

Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira