quarta-feira, 27 de julho de 2016

CARLOS LESSA SOBRE O BRASIL

Saudades de quando a gente trazia gente como Lessa, Roberto D'Araújo, Luis Pinguelli Rosa para palestrar e debater com a gente no IEE. Esta entrevista foi feita ao Conversa Afiada

Com o Dr Meirelles vai faltar goiabada!
Carlos Lessa: retomada? Só se for por "contingência divina"...

Conversa Afiada entrevistou, por telefone, nessa terça-feira 26/VII, o professor Carlos Lessa, presidente do BNDES entre janeiro de 2003 e novembro de 2004, no início do primeiro Governo Lula.
PHA: Professor, a atual presidente do BNDES, nesse Governo interino, Maria Sílvia Bastos Marques diz que o BNDES não será mais financiador de obras de infraestrutura, mas um indutor, um coordenador. Qual é a sua avaliação?
Prof. Carlos Lessa: Eu não entendo bem o que quer dizer “coordenador”. Porque um banco de desenvolvimento é um banco que tem um projeto para o país e se esse país tem falhas de infraestrutura, para avançar numa determinada direção, essas (obras) de infraestrutura são fundamentais para que o futuro venha a se configurar. Objetivamente, você não coordena. Das duas, uma: ou você fomenta e apoia, ou não tem absolutamente nenhum instrumento relevante para coordenar. E a ideia de que existe uma quantidade de agentes investidores à disposição para serem coordenados é uma ideia que, para mim, não parece ter conteúdo nenhum.
PHA: Um dos argumentos dela, professor, é de que existe, sim, muito investidor querendo entrar nesses projetos de infraestrutura, e o que falta é confiança, que esse governo interino poderia dar. O senhor concorda com essa avaliação?
Prof. Lessa: Não, não. Esse é um argumento político e muito pouco elaborado. O país está vivendo uma crise de investimento que não é de hoje - na verdade, a taxa de investimento da economia brasileira está de uma mediocridade enorme - há muito tempo. É muito antiga essa redução na taxa de investimento. Na verdade, a taxa de investimento brasileira em nenhum momento nos últimos 20 anos ultrapassou os 20% do Produto. Isso é muito pouco. A dificuldade que eu tenho é que existem palavras, palavras e palavras, mas o concreto não é explicitado. O concreto é saber o seguinte: qual é o projeto nacional brasileiro? Há algum projeto? Eu acho que não existe. Acho que não existe há muito tempo, não é de agora, não. Na verdade, estamos vivendo em um país que, na periferia do mundo, se dá ao luxo de não ter nenhum projeto para o seu futuro. Então, (investimento em) infraestrutura pode ser fundamental, pode ser perfeitamente justificável. Depende do que você espera que essa infraestrutura venha a despertar de investimentos derivados dela. Quando você investe em infraestrutura, das duas uma: ou você consegue uma resposta sequencial afirmativa, ou simplesmente a infraestrutura não representou nenhuma alavancagem para o amanhã. Cadê o amanhã que está sendo perseguido? Há muito tempo o debate brasileiro não dá nenhuma indicação clara e inequívoca de para onde o Brasil quer ir. Uma coisa que, no meu ponto de vista, foi lamentavelmente dito é que o Brasil apoiaria a globalização, sem conceituar absolutamente o que entendia por globalização e sem conceituar com clareza que diabo de apoio o Brasil buscaria na globalização. Porque vamos supor que o Brasil se colocasse a seguinte hipótese: exportar é a solução - e a taxa de exportações brasileiras é relevante. O que não foi relevante é o desempenho da economia, que continuou sendo bastante medíocre. Uma taxa muito elevada de crescimento num período de algumas décadas e ... nos últimos 25, 30 anos o Brasil não consegue recuperar o seu ritmo passado de desenvolvimento. O que o Brasil está vivendo é um aperto de dinamismo industrial. Não temos mais uma industrialização sinalizando e fazendo com que as decisões dos brasileiros sejam referenciadas num cenário em que mutuamente se apoiam. Se você pegar uma infraestrutura existente e vendê-la barato, talvez encontre compradores. Isso não é um projeto de desenvolvimento. A pergunta relevante é: por que compram? É muito simples: as infraestruturas que já estão instaladas e operam bem, se elas forem vendidas barato, podem representar um negócio interessante. Só isso. Não é uma retomada, nem a introdução de um futuro dentro dos horizontes brasileiros.
PHA: No plano do ministro interino Henrique Meirelles e no da própria Maria Sílvia, o BNDES terá que devolver à União, para fechar o compromisso do ajuste fiscal, aproximadamente R$ 100 bilhões. O que o senhor acha disso?
Prof. Lessa: Na verdade, o BNDES dispõe de uma quantidade muito expressiva de ativos. Se os vender muito baratos, talvez consiga vendê-los. Por exemplo: você está em São Paulo, que é o filé mignon, o melhor segmento do mercado energético brasileiro, sendo que existe uma empresa que é central nesse processo, que é a companhia elétrica de São Paulo, Eletropaulo. Essa empresa é hoje controlada, basicamente, por um investimento que é, de um lado, público, e de outro, pertence a um grupo americano. Eu não tenho dúvida de que se vender muito barato, o grupo americano compra. Aliás, o sonho deles é fazer isso. Mas, e daí? O que vai significar? O BNDES vai devolver para a União o que for resultado dessa venda? Por que ? E vai ser feito o quê com isso? Para o Dr. Meirelles pensar ... O que é que o Dr. Meirelles pensa em relação ao futuro brasileiro? Eu não sei, você não sabe, a torcida do Flamengo não sabe. Na verdade, ninguém sabe o que o Dr. Meirelles pretende para o Brasil.
PHA: Ele diz nos jornais de hoje - no Globo, por exemplo - que provavelmente não conseguirá fechar o compromisso do déficit primário...
Prof. Lessa: Tudo isso é muito engraçado. Nenhuma economia capitalista avança sem uma estrutura de crédito. Todas as economias capitalistas avançam se apoiando na emissão de dívidas. A dívida não é em si ruim, ela pode ser ruim. Na imensa maioria das vezes, ela pretende ser positiva e pode ser positiva. Na verdade, a ideia de limitar a capacidade de um país de dever é, simplesmente, escravizar esse país. Vamos fazer a seguinte combinação: suponha que você adote uma política que leva todas as pessoas a adiarem por um ano a compra de um novo automóvel. O que vai acontecer com o país? Quebra a indústria metal-mecânica. Quebra a siderurgia. Quebra em cadeia tudo, até a fabricação de goiabada que os operários desempregados não poderão comprar. Você vai fazer com que os brasileiros não comprem mais nada se endividando? Esse é o projeto do Dr. Henrique Meirelles? Não. O que pretende é impedir que o Governo Federal desenhe um futuro para o país. Isso ele impede, com essa decisão que toma. Você acha que se um país não investir em infraestrutura urbana as cidades vão prosperar? A partir da decisão do Dr. Henrique de que se o país se endividar é ruim, ele deveria, também, recomendar que todas as empresas não se endividem. Mas, se todas as empresas não se endividarem, para onde vai o país? Para um buraco colossal! Nenhuma economia capitalista se sustenta sem que cadeias de débito e crédito virem os protagonistas, sem que haja uma fronteira de expansão para a economia. Qual é a expansão para a Economia que o Dr. Meirelles quer ? Eu não sei e ninguém pergunta a ele! Estamos indo para lugar nenhum e ninguém se preocupa ? Vamos resolver como ? Não indo a lugar nenhum ? Confesso que não consigo entender o Dr. Meirelles e eu não entendo o debate brasileiro atual. É possível que as pessoas resolvam essa questão do debate dizendo coisas de conteúdo muito discutível e enigmático.
PHA: Uma última questão: os jornais, especialmente os jornais alinhados com a Globo e seus diversos subprodutos, tentam estabelecer o princípio de que a recuperação econômica já se sente, já está à vista de todos, exatamente por causa dessa recuperação da confiança. O senhor está vendo essa recuperação da economia?

Prof. Lessa: Não, eu não estou vendo. Eu tenho percebido que o ritmo da atrofia econômica diminuiu - quer dizer, a taxa de perda de substância diminuiu. Porém, não consigo perceber ainda sinais de confiança. Se eles vierem a surgir, surgirão por atos de transigência divina, porque... deixa eu te dizer uma última coisa: a inflação. Veja bem: para quem tem emprego, (a inflação) é algo que reduz o poder de compra de quem não mantém o rendimento, mesmo trabalhando. Agora, para quem está desempregado, a inflação é infinitas vezes colossal, sempre, porque o desemprego é não receber nada. Não recebendo nada, a pessoa está, literalmente, contra a parede. Então, qualquer proposta para enfrentar a situação brasileira deveria partir dessa coisa absolutamente elementar: os brasileiros têm que ter direito a emprego. Como se propõe que o Brasil ascenda no mundo, se há fome no país? Como é que se propõe a um país cortar seus investimentos públicos quando existem lacunas óbvias em relação ao futuro? Como se pretende empurrar uma economia fazendo com que as pessoas tenham medo do amanhã? O grave não é o hoje, o muito grave é o amanhã não prometer nada em relação ao hoje. Há alguma promessa no ar? Não percebo. E acho que não há cobrança...

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