terça-feira, 19 de abril de 2016

BRASIL, TEMER

Do O Cafezinho. Finalmente com a representação pictórica do indigitado.

O Brasil, agora, é de temer


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Charge: Ribs
por Rogerio Dultra dos Santos, no Democracia e Conjuntura
Parecia um flash back.
No mesmo cenário, o mesmo assunto, com alguns atores que se repetiam, a mesma pantomima de 24 anos atrás foi reencenada. Com direito aos mesmos Deus, família e propriedade.
Em tudo, o pouco cuidado com o procedimento permaneceu. Da última vez, o Presidente, antes do término da votação, encaminhou para o Congresso uma carta de renúncia, que foi solenemente ignorada.
O Brasil inteiro de mãos dadas não poderia permitir que uma “formalidade” premiasse com direitos políticos o “caçador de marajás” que, afinal de contas, de marajá – com dinheiro alheio – parece que tinha tudo a ver. A catarse tinha que ser completa e o Presidente tinha que ser cassado.
Ontem, 17 de abril, várias formalidades foram relevadas.
Melhor dizendo, há tempos as formalidades não valem nada, diante da necessidade de eliminar não uma mulher, a Presidente, mas toda uma era, uma perspectiva de mundo e um claríssimo projeto de país.
Dos lugares mais obscuros da Câmara dos Deputados e, porque não dizer, do seu ponto mais solar – a mesa da presidência – o rugido profundo do atraso foi ouvido de forma consistente, em alto e bom som: “Que Deus tenha misericórdia desta nação!”.
Hoje se sabe que toda a movimentação nas ruas do país, desde junho de 2013, não era somente por R$ 0,20.
Havia uma agitação mais profunda e larga, internacional, a desejar tomar um pedacinho do Brasil.
Uma das pontas do iceberg, que hoje se sabe tinha endereço certo (a Casa Branca e não o Palácio do Planalto), foi a carta “vazada” do Vice-Presidente Michel Temer.
Embora a palavra de Temer tenha se esvaído no lodo da traição, o escrito permaneceu.
Como ele mesmo prenunciava em latim, “verba volant, scripta manent” – o verbo esvoaça, o escrito mantém-se. E no texto, o lamento fundamental por não ter sido convidado a estar na reunião com outro vice, o Joe Biden.
Reunião, coitado, em que não pôde afiançar uma palavra contrária à da Presidente, que não queria entregar o petróleo das águas profundas. Um mês depois, eclodiram as manifestações, com indivíduos infiltrados para causar tumulto e incendiar o país.
Isto só não aconteceu porque teve Copa. E a esquerda foi para a rua também.
Outra ponta que esclarece, retroativamente, este movimento orquestrado por grupos de variadas agências de Estado (Polícia Federal, Ministério Público Federal, Procuradoria Geral da República, Justiça Federal, Supremo Tribunal Federal, Legislativo e Executivo), foi aquilo que a era petista deixou de fazer, embora tenha sempre sido acusada disto: os governos Lula e Dilma não se lembraram de aparelhar os órgãos de Estado com indivíduos qualificados porém fiéis.
Não reformou, sequer, o modo como se realizam os concursos públicos, permitindo que sujeitos aptos a memorização e inaptos para a vida republicana e democrática se multiplicassem de forma descontrolada.
Coisa absolutamente corriqueira em qualquer democracia, inclusive em Miami, o cuidado em orientar politicamente estes aparelhos de Estado foi deixado para as próprias instituições, que se ensimesmaram associativamente e passaram a aspirar autonomia e a cuidar de uma pauta exclusivamente corporativa.
Como consequência, o próprio Estado passou a funcionar contra o governo, abrindo espaço para o golpe soft.
E tal desleixo pode ser facilmente personalizado na figura hoje “heróica” do Ex-Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. De uma paralisia afásica, permitiu que se fizesse de tudo. Inclusive conspirar contra a Presidente. Em resumo, uma vergonha.
O resultado é que o Brasil, hoje, pertence ao baixo clero.
O grande combate à corrupção deixou o país de joelhos para um réu confesso de corrupção passiva e para um suspeito de crimes equivalentes.
O medo de que Lula volte foi mais forte que o cuidado com a democracia e com a Constituição.
O que irá acontecer com o país? O “Lulo-Petismo” foi para o buraco?
O sol nascerá de novo, sob a música “sou brasileiro, com muito orgulho”, cantada a todos os pulmões pela Câmara dos Deputados, incluído no côro Eduardo Cunha?
A sanha moralizante se extinguirá exatamente na vez de Temer e Cunha se explicarem na Justiça?
Os heróis do MPF recuarão ante o senhor do Congresso Nacional, ou vão continuar limpando o país até que não sobre mais nada?
Dizem até que Temer prometeu parar a lava-jato.
Poder para isto parece que tem.
A adesão de Rodrigo Janot com certeza.
O país sucumbe, a passos largos, para o lugar que os de fora sempre desejaram: o da subordinação e subserviência passiva ao grande capital.
Uma nação partida, com pouquíssima condição – e a partir de agora, com pouquíssimo interesse – de reagir à sanha especulativa e predatória da ordem econômica global.
Como diria o Millôr, parece que apagaram a luz no fim do túnel.
Mas tem as ruas. Tem o povo.
O brasileiro que começou a entender, pelo modo mais difícil, que não há salvação fora da grande política.
Fora da grande política há, somente, a pequena política, a barbárie, Michel Temer e Eduardo Cunha.
Sabendo disto, chegou a hora do povo se unir contra o desmonte do país.
Chegou a hora de lutar.
Como diria um anti-herói da ficcção nacional: “ou você se corrompe, ou se omite ou vai prá guerra!”.
E isto, apenas para o flash back não se completar e ganharmos de brinde uma década de desmonte do Estado brasileiro. Porque a batuta, agora, está com a direita. O Brasil, agora, é de temer.

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