quarta-feira, 29 de abril de 2015

OLIGOPOLIOCRACIA VERSUS DIREITO DE ESCOLHA

Por Rodrigo Vianna, em seu blog. Essa Câmara de Deputados está perfeitamente a serviço dos endinheirados, contra o resto da população.



Alimentos transgênicos não serão rotulados. Por que o agronegócio quer enganar você?


abril 29, 2015 09:26
Alimentos transgênicos não serão rotulados. Por que o agronegócio quer enganar você?
Por Eduardo Piovesan e Tiago Miranda, do Portal da Câmara
O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (28) o Projeto de Lei 4148/08, do deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), que acaba com a exigência do símbolo da transgenia nos rótulos dos produtos com organismos geneticamente modificados (OGM), como óleo de soja, fubá e outros produtos derivados.
A matéria, aprovada com 320 votos a 135, na forma de uma emenda do deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), deve ser votada ainda pelo Senado.
O texto disciplina as informações que devem constar nas embalagens para informar sobre a presença de ingredientes transgênicos nos alimentos. Na prática, o projeto revoga o Decreto 4.680/03, que já regulamenta o assunto.
Heinze afirmou que a mudança do projeto não omite a informação sobre a existência de produtos transgênicos. “Acho que o Brasil pode adotar a legislação como outros países do mundo. O transgênico é um produto seguro”, afirmou. Segundo ele, não existe informação sobre transgênicos nas regras de rotulagem estabelecidas no Mercosul, na Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e na Organização das Nações Unidas (ONU).
De acordo com o texto aprovado, nos rótulos de embalagens para consumo final de alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal deverá ser informada ao consumidor a presença de elementos transgênicos em índice superior a 1% de sua composição final, se detectada em análise específica.
A redação do projeto deixa de lado a necessidade, imposta pelo decreto, de o consumidor ser informado sobre a espécie doadora do gene no local reservado para a identificação dos ingredientes.
A informação escrita sobre a presença de transgênicos deverá atender ao tamanho mínimo da letra definido no Regulamento Técnico de Rotulagem Geral de Alimentos Embalados, que é de 1 mm.
Sem transgênicos
Além do fim do símbolo que identifica os produtos com transgênicos, no caso dos alimentos que não contenham OGM, o projeto mantém regra do atual decreto que permite o uso da rotulagem “livre de transgênicos”.
Destaque do PT aprovado pelos deputados retirou do texto a condição de que esses produtos sem transgenia somente poderiam usar essa rotulagem se não houvesse similares transgênicos no mercado brasileiro.
O texto continua a exigir, entretanto, a comprovação de total ausência de transgênicos por meio de análise específica, o que pode dificultar o exercício desse direito pelos agricultores familiares, que teriam de pagar a análise para poder usar a expressão.
Polêmica em Plenário
A discussão sobre o tema foi intensa e não houve consenso entre os parlamentares, em especial entre os principais partidos da base aliada do governo, PT e PMDB.
Para o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), o projeto de lei cassa, na prática, o direito de o consumidor saber se há ou não transgênicos. “É correto sonegar ao consumidor essa informação? Está certo tirar o direito de saber se tem ou não transgênicos?”, questionou.
Já o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) defendeu a medida e lembrou que a Lei de Biossegurança (11.105/05), que regulamentou o uso de transgênicos, completou dez anos neste mês. “Disseram que os transgênicos poderiam causar câncer. Agora renovam a linguagem.”
O líder do PV, deputado Sarney Filho (MA), disse que o projeto é um retrocesso na legislação atual. “O texto mexe naquilo que está dando certo. O agronegócio está dando um tiro no pé. Por que retroagir?”, questionou. Segundo ele, o texto não acrescenta nada sobre a transgenia, só retira informações.
Já o deputado Domingos Sávio (PSDB-MG) lembrou que 90% da soja e do milho comercializados no Brasil têm organismos transgênicos em sua composição e, dessa forma, toda a cadeia produtiva desses produtos, como carne e leite. “O projeto é excelente, garantimos o direito do consumidor ser informado”, disse.
Opiniões divergentes
O deputado Ivan Valente (Psol-SP) afirmou que, enquanto outros países proíbem completamente o uso de alimentos transgênicos, no Brasil se busca “desobrigar a rotulagem dos transgênicos e excluir o símbolo de identificação”. Ivan Valente ressaltou que não existe consenso se os transgênicos fazem ou não mal à saúde.
Para o deputado Bohn Gass (PT-RS), era necessário manter o símbolo da transgenia nos produtos. “Qualquer mudança vai prejudicar o consumidor.”
O deputado Moroni Torgan (DEM-CE), no entanto, criticou a rotulagem diferente para a transgenia. “Por que a diferença entre corante, conservante, agrotóxico e transgênico na embalagem? Se é para colocar letra grande para transgênicos, por que estão usando dois pesos e duas medidas?”, questionou.
Na opinião do deputado Padre João (PT-MG), a proposta só beneficia as grandes multinacionais do setor agropecuário que vendem sementes transgênicas. “Não podemos ficar a serviço das grandes empresas, devemos ter respeito ao consumidor”, disse.
O deputado Delegado Edson Moreira (PTN-MG) respondeu ao deputado Padre João que a hóstia, usada no rito católico, também é feita com trigo transgênico.

ESTILO TUCANO DE GOVERNO, PARANÁ

Miguel do Rosário, no O cafezinho

Polícia de Beto Richa massacra professores no Paraná

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As fotos acima são do site Brasil Post.
Chegam relatos de todas as partes de que, desde ontem, a polícia militar do governador Beto Richa (PSDB) está massacrando professores da rede pública, que protestam contra o governo e seus deputados.
Os relatos são sinistros. A PM está jogando bomba do alto de helicópteros, agredindo indiscriminadamente.
Essa é a mesma PM ao lado da qual os coxinhas psicóticos gostam de tirar “selfies”.
Acompanhe os acontecimentos pelo blog do Esmael.
Enquanto isso, o G1 chama o massacre de “confronto”. Como se professores desarmados, sem nenhuma disposição agressiva, pudessem estar em “confronto” com milhares de policiais armados até os dentes, com viseiras, escudos, gás lacrimogênio, cassetete, arma de fogo, etc.

LEMBRANDO O PRIMEIRO GRANDE GENOCÍDIO DO SÉCULO 20

Do Viomundo

Marcio Sotelo: Até hoje Estado brasileiro se omite sobre genocídio de 1,5 milhão de armênios

publicado em 29 de abril de 2015 às 12:15
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Por quem os sinos dobram?

por Marcio Sotelo Felippe, no Justificando

24 de abril é a data em que se lembra o genocídio armênio. Nesse dia de 1915 começou o massacre, com a prisão e assassinato de lideranças e intelectuais armênios, uma das diversas etnias que formavam o Império Otomano. Há farta documentação primária sobre o curso bárbaro dos acontecimentos a partir daí, não podendo haver dúvida razoável de que o extermínio foi uma decisão do Estado otomano. Fatos como 5 mil armênios, inclusive crianças, queimados. Crianças embarcadas para morrerem afogadas. Inoculação do vírus do tifo e as “marchas da morte”, deportação em massa de centenas de milhares de armênios após serem privados de seus bens. Documentos e testemunhos sobre as “marchas da morte” provam estupros, assassinatos, torturas, aniquilação por fome, resultando, ao final de tudo, em cerca de 1,5 milhão de armênios exterminados.
EUA e Japão opuseram-se na época à responsabilização dos dirigentes turcos por razões políticas. A Turquia estava próxima geograficamente da Rússia bolchevique e importava tê-la como aliada. O Tratado de Sévres continha uma cláusula de responsabilização dos dirigentes turcos que desapareceu do tratado subsequente, o de Lausanne. Este, além de retirar a cláusula, incorporou um anexo secreto garantindo imunidade aos turcos. Como afirma Bassouini, “considerações políticas prevaleceram sobre as legais e morais” (Crimes against humanity)
Assim, foi possível a Adolf Hitler fazer esta declaração em agosto de 1939:
“Nossa força consiste na nossa velocidade e na nossa brutalidade. Genghis Khan levou milhões de mulheres e crianças para o abate com premeditação e um coração feliz. Hoje a História vê nele apenas o fundador de um Estado (…) Quem afinal fala hoje do extermínio dos armênios?” (Documento identificado no Tribunal de Nuremberg como L-3 ou “exhibit USA-28”)
O ignóbil cabo errou. Como em tudo que fez em sua miserável vida. Em 2015 falamos, sim, do extermínio dos armênios. E o tanto (não muito) que temos de princípio civilizatório nos conduz ainda à responsabilização de todos que, conduzidos por ele, praticaram outro genocídio com o estímulo adicional de que genocídios, afinal de contas, acabam sendo esquecidos ou podem ser até glorificados pela História.
Foto publicada esta semana mostra um homem de 86 anos, depauperado, entrando em um tribunal apoiado em um andador. Trata-se de Max Eisen, o “contador de Auschwitz”. Sua tarefa era recolher o dinheiro das malas dos detentos que chegavam ao campo e entregá-lo à SS. Também retirava as bagagens, quando chegavam os trens, daqueles que ali já eram destinados à câmara de gás. Segundo a acusação, com isto apagava os vestígios da matança de judeus. É acusado de cumplicidade em pelo menos 300 mil casos.
Será julgado por fatos ocorridos há mais de 70 anos, o que nos ordenamentos jurídicos comuns não seria mais possível. Mas neste caso nunca prescreverão e somente a morte o livrará do peso que, talvez, haja em sua consciência. A matéria diz que ele reconhece sua culpa moral, mas se abstém de falar sobre a responsabilidade jurídica. A interpretação mais razoável para essa frase é que reconhece sua culpa moral, mas não quer ser punido. A matéria diz que suas vítimas não o perdoam. Aqui não se trata de perdão, uma questão subjetiva e pessoal. O Direito apaga, manda não punir por considerações racionais. Não “perdoa”. Há uma racionalidade na prescrição ou na anistia na maioria dos casos. Quando a humanidade é ameaçada, quando milhões de pessoas são ou podem ser exterminadas, a racionalidade aponta em outra direção.
Por que podemos punir, mais de 70 anos depois, esse funcionário subalterno de Auschwitz? Porque o princípio civilizatório não pode admitir a possibilidade de que, daqui a uns 150 anos, alguém possa dizer, tal como Hitler, “quem fala hoje do extermínio dos judeus” ou algo como “nada aconteceu aos nazistas genocidas”.
Isto tudo tem que permanecer de forma indelével na memória da humanidade por todos os séculos, enquanto seres humanos pisarem o solo do planeta, e jamais deixar de ter consequências jurídicas.
O genocídio dos armênios não é reconhecido pela maioria dos Estados contemporâneos, que relutam porque não querem atritos políticos com a Turquia. A Turquia, ao contrário dos alemães, ainda pensa que não se pode distinguir assassinos da própria sociedade em que vivem ou viveram esses assassinos. Continua a vigir, de algum modo, o anexo secreto do Tratado de Lausanne que deu imunidade aos turcos.
Considerações políticas, razões de ordem prática, tolas “sabedorias de vida” do tipo “vamos viver o presente e deixar o passado para trás” são tijolos que edificarão outros genocídios. São perigosas para nós e para as gerações que virão porque estamos diante do mais poderoso, letal, ofensivo ente que a História jamais conheceu: o Estado moderno. E esse ente historicamente inédito, esse aparato excepcional, exige também respostas excepcionais. O século XX construiu e consolidou, de pleno direito, os crimes contra a humanidade. Eles são a única defesa jurídica que a humanidade tem contra a mais poderosa arma que a História conheceu, o Estado moderno.
Filósofos e todos nós costumamos nos atrapalhar com palavras. Às vezes usamos uma mesma palavra para dizer coisas diferentes e podemos nos matar por esses sentidos. Quando falamos hoje em Estado, falamos, no entanto, em algo que é ontologicamente distinto do Estado da Atenas antiga, ou do Estado feudal ou do absolutista. Não podemos pensar no Estado moderno como pensamos na polis ateniense ou na França feudal.
O Estado moderno reúne quatro características que o tornam historicamente singular: ele detém o monopólio da violência, da tributação e da norma jurídica. Com isto pode concentrar e dominar todos os recursos que a ciência e a tecnologia colocam ao dispor de quem tem recursos e poder. O século XX demonstrou à saciedade como isso pode e é utilizado para exterminar em massa seres humanos.
Aquele 1,5 milhão de armênios, as milhões de vítimas do Estado nazista, os milhares de mortos dos Balcãs, os 800 mil de Ruanda, os 2 milhões de cambojanos vítimas do Khmer Vermelho só foram possíveis porque existe o Estado moderno, a mais letal de todas as armas.
Os crimes contra a humanidade são, por isso, pela sua fabulosa ofensividade, por colocar em ameaça coletividades e parte da humanidade, imprescritíveis e não suscetíveis de anistia. São crimes de Direito Internacional (não importa o que o Direito interno diz) e sua característica essencial é de serem ofensas graves praticadas em decorrência de uma política de Estado, sistemática ou generalizadamente. Chefes e colaboradores de organizações criminosas não estatais (como a máfia) não são sujeitos ativos de crimes contra a humanidade. Estão sujeitos à legislação interna apenas. Mas quando se trata de dirigentes políticos, são crimes e criminosos de Direito Internacional. Nenhum funcionário desse Estado, por mais subalterno que seja, tendo participado efetivamente da cadeia direta de fatos que conduziram aos crimes, está imune, desde que se possa reconhecer uma escolha moral de não participar. Por isso, aos quase 90 anos e mais de 70 anos depois, “o contador de Auschwitz” não pode fugir de sua responsabilidade jurídica. Por isso, é inaceitável que os armênios ainda clamem e não sejam ouvidos pela comunidade internacional em memória de seus 1,5 milhão de mortos, perpetuando de algum modo a barbárie porque consente quem cala.
O Estado brasileiro tem problemas graves com a questão dos crimes contra humanidade. Anistiou os responsáveis pelos 400 mortos e 20 mil torturados pela ditadura militar. Não cumpre a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que julgou inválida essa anistia. Nunca tratou do genocídio indígena, que ainda persiste. Também se omite na questão do reconhecimento do genocídio armênio.
Questões políticas e a lógica própria de funcionamento dos Estados fazem com que, ao fim e ao cabo, seres humanos resultem supérfluos ou algo menos do que humanos. Por isso podem ser exterminados e por isso, se exterminados, podem ser ignorados. Mas os sinos dobram por todos nós.
“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.” (John Donne, poeta inglês, 1572-1631)
Em cada armênio, judeu, negro, indígena, cigano exterminado morremos juntos. Os sinos dobram por todos nós. Por ti, leitor.
(Dedicado a Marcelo Augusto Boujikian Felippe, Mariana Boujikian Felippe e Isabel Boujikian Felippe, meus filhos armênios)
Marcio Sotelo Felippe é pós-graduado em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Procurador do Estado, exerceu o cargo de Procurador-Geral do Estado de 1995 a 2000. Membro da Comissão da Verdade da OAB Federal.

domingo, 26 de abril de 2015

sexta-feira, 17 de abril de 2015

E PARA SUPERAR OS ATUAIS IMPASSES?

Existem novas formas de canalizar a visão de esquerda? Entrevista com David Harvey no Outras Palavras

David Harvey opina sobre renovação da esquerda


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Para geógrafo, partidos tradicionais tornaram-se incapazes de enfrentar capitalismo reconfigurado. Mas grupos como Syriza e Podemos multiplicam alcance das “políticas do quotidiano” praticadas pela juventude anti-sistema
Myke Watson entrevista David Harvey, para a Verso Books | Tradução Evelyn Petersen

Conhecido pela abordagem não convencional que introduziu no debate sobre o Direito à Cidade e por sua leitura heterodoxa da obra de Karl Marx, o geógrafo David Havey parece cada vez mais disposto a participar do esforço pela renovação do pensamento e lutas anticapitalistas. A partir de 2011, ele já examinara atentamente movimentos como a Primavera Árabe, os Indignados e o Occupy. Agora, aos 79 anos, segue com atenção formações políticas que, embora tendo o marxismo como fonte (não única…) de inspiração, diferem em muito dos partidos tradicionais de esquerda — nos programas, práticas e métodos de organização. Volta os olhos, em especial, ao Syriza grego e Podemos espanhol.
Na entrevista a seguir, Harvey fala brevemente — porém de forma incisiva — sobre estes novos movimentos-partidos. Vale atentar para três pontos suscitados pelo geógrafo: a) Segundo ele, o cenário das lutas políticas e culturais é menos sombrio do que vezes parece. A esquerda histórica perdeu a capacidade de dialogar com os novos movimentos. No entanto, eles multiplicam-se, ao reunir um número crescente de pessoas que, em meio a um mundo desumanizado, “buscam uma forma de existência não-alienada e esperam trazer de volta algum sentido à própria vida”; b) Syriza e Podemos não se definem como anti-capitalistas, mas isso é o que menos importa. Eles dão sentido e força à revolta de quem se sente desamparado pela redução dos direitos sociais. Ao fazê-lo desafiam o principal projeto do sistema: uma nova rodada de reconcentração de riquezas, expressa nas políticas de “austeridade” ou “ajuste fiscal”; c) Talvez o calcanhar-de-aquiles das políticas hoje hegemônicas esteja na Europa. Ao empurrarem a Grécia para fora do euro, a oligarquia financeira pode produzir uma tempestade de consequências imprevisíveis. Segue a entrevista (A.M.).
Em seu último livro você afirma que Marx optou pelo humanismo revolucionário em vez do dogmatismo teleológico. Onde seria possível encontrar um espaço para a concretização deste humanismo revolucionário?
Isto não é uma coisa que precisamos inventar – tem muita gente aí fora em conflito com o mundo em que em vive, que busca uma forma de existência não-alienada e espera trazer de volta algum sentido à própria vida. Penso que o problema está na incapacidade da esquerda histórica em saber lidar com este movimento, que pode realmente modificar o mundo. No momento, os movimentos religiosos (como o evangélico) têm se apropriado desta busca por sentido, o que pode implicar, politicamente, na transformação destes movimentos em algo totalmente diferente. Penso, por exemplo, no ódio contra a corrupção, no fascismo em ascensão na Europa e no radicalismo do Tea Party norte-americano.
O livro encerra com uma discussão sobre as três contradições perigosas (crescimento ilimitado, a questão ambiental e alienação total) e diversos caminhos de mudança. Isto seria um tipo de programa ou a revolta precisa se basear em uma espécie de coalizão fluida de diferentes formas de insatisfação?
A convergência entre diversas formas de oposição sempre terá importância fundamental, conforme vimos em Istambul, com o parque Gezi, e no Brasil. O ativismo político é de importância fundamental e, novamente, creio que o problema esteja na incapacidade da esquerda em canalizá-lo. Há diversas razões para isto, mas penso que o motivo principal seja o fracasso da esquerda em abandonar a sua ênfase tradicional na produção em favor de uma política da vida cotidiana. Ao meu ver, a política do cotidiano é o ponto crítico a partir do qual podem se desenvolver as energias revolucionárias, e onde já ocorrem atividades orientadas para a definição de uma vida não-alienada. Tais atividades estão antes relacionadas ao espaço de vida do que ao espaço de trabalho. Syriza e Podemos nos oferecem um primeiro vislumbre deste projeto político – não são revolucionários puros, mas despertaram grande interesse.
O Syriza tem desempenhado um papel trágico, no sentido clássico do termo. Está efetivamente salvando o euro (que tem sido instrumento de violência de classe) também para defender a ideia de Europa, uma das bandeiras da esquerda nas últimas décadas. Você acha que o partido encontrará espaço político ou acabará fracassando?
Neste caso, afirmar o que seria um sucesso ou fracasso não é fácil. Em muitos aspectos Syriza irá fracassar a curto prazo. Mas acredito que a longo prazo terá alcançado uma vitória por ter suscitado questões que não poderiam ter sido ignoradas. No momento, a dúvida gira em torno da democracia e o seu significado, quando você tem Angela Merkel governando de modo autocrático, decidindo a vida de todos os europeus. Chegará o momento em que a opinião pública irá clamar pela derrubada dos governos autocráticos. Em último caso, se Merkel e os líderes europeus não mudarem suas posições e forçarem a Grécia a sair da Europa (como provavelmente farão), as consequências serão bem mais sérias do que hoje se imagina. Políticos normalmente cometem graves erros de julgamento, e eu considero este um desses casos.
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No livro você prevê um novo ciclo de revoltas. Porém, uma avaliação dos últimos anos terá que reconhecer que a Primavera Árabe foi um desastre e que o Occupy não foi capaz de se transformar em uma força política eficaz. Você acha que a resposta está em um partido como o Podemos, que tem sido capaz de dar expressão política aos protestos de 2011 na Espanha?
O Syriza e o Podemos abriram um espaço político, pois algo novo está acontecendo. E o que seria isto? Não sou capaz de responder. Logicamente aqueles que pertencem à esquerda anticapitalista os acusarão de “reformistas”. O que até pode ser verdade, mas também foram as primeiras forças a promover determinadas políticas, e uma vez iniciado este novo caminho, surgirão novas possibilidades. Romper de uma vez por todas com o mantra da “austeridade” e esmagar o poder da troika [FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia, que impõem as políticas econômicas nos países europeus em crise] abriria, acredito, um espaço para novas perspectivas, que poderiam ser desenvolvidas adiante. Na atual situação, penso que estes modelos de partidos que vemos surgir na Europa, que começam a definir alternativas de esquerdas atualmente em falta, são as melhores opções. Eles provavelmente serão populistas – com todos os limites e perigos que o populismo implica –, mas como eu disse, trata-se de um movimento: ele abre espaços, e o modo como utilizamos estes espaços depende de nossa capacidade de perguntar, “Ok, agora chegamos até aqui, o que devemos fazer agora?”.
Você acredita que o neoliberalismo foi apenas um momento de mudança que será superado pela reorganização do capital pós-crise? Ou acha que ele será reforçado com novo vigor?
Eu diria que o neoliberalismo nunca esteve tão forte quanto agora: o que é a “austeridade” efetivamente, se não a transferência de recursos das classes baixas e médias paras as classes altas? Se olharmos as informações sobre quem se beneficiou com as intervenções estatais desde a crise de 2008, veremos que foi o 1% da população, ou melhor, o 0,1%. É lógico que a resposta para isto depende de como se define o neoliberalismo, e minha definição (um projeto da classe capitalista) talvez seja algo distinta da de outros estudiosos.
Quais foram as novas “regras do jogo” instauradas no sistema capitalista após 1970?
Por exemplo, no caso de um conflito entre bem-estar coletivo e resgate dos bancos, salva-se os bancos. Em 2008, estas regras foram aplicadas de um modo bastante claro: salvaram os bancos. Porém, poderíamos facilmente ter resolvido os problemas daqueles que foram despejados, atendendo a necessidade da população por moradia, e só então ter dado atenção à crise financeira. A mesma coisa ocorreu com a Grécia, a quem foi emprestado um bocado de dinheiro que foi direto para os bancos franceses e alemães.
Por que, então, foi preciso que os gregos atuassem como intermediários na transferência entre os governos e bancos?
A estrutura em funcionamento permite que a Alemanha não tenha que salvar diretamente os bancos alemães, ou a França os bancos franceses: sem a Grécia no meio, teria ficado óbvio o que estavam fazendo. Ao passo que, daquele outro modo, o fato de terem despejado todo este montante de dinheiro faz parecer que a Grécia foi tratada com generosidade, quando na verdade estes fundos foram diretamente para os bancos.
Você mencionou o 1%. Como marxista, você considera este dado apenas um slogan eficiente, vê nele algum valor analítico ou acha que ele só ajuda a desviar a atenção do conceito da luta de classes?
Se aceitamos o materialismo histórico-geográfico, temos que reconhecer que as contradições evoluem constantemente, e o mesmo deve ocorrer com nossas categorias. Ao se referir ao “1%”, portanto, o Occupy foi bem sucedido em introduzir este conceito no debate público. É evidente que a riqueza deste 1% aumentou de forma maciça, como mostram Piketty e todos os dados. Em outras palavras, falar sobre o 1% é reconhecer que criamos uma oligarquia global, que não coincide com a classe capitalista, mas que está no centro dela. É como uma palavra-chave que serve para descrever o que a oligarquia global está fazendo, dizendo e pensando.



quinta-feira, 16 de abril de 2015

MAIS UM ARTIGO SOBRE A POLÍTICA DO GOLPE

De Saul Leblon, na Carta Maior

A deriva da classe média na Paulista e o vazio conservador

Quem teria algo a propor para reerguer a autoestima da sociedade brasileira e superar o atoleiro do arrocho fiscal? A direita certamente que não.

por: Saul Leblon 


Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A atabalhoada virulência com que o conservadorismo foi ao pote para matar, picar e salgar o quarto mandato progressista conquistado nas urnas brasileiras, começa a revelar a fragilidade inerente ao ímpeto que tem pouco mais a propor ao país do que uma panaceia vingativa: o politicídio do PT.
 
O esvaziamento das manifestações é o sintoma dessa  vossoroca que come o simplismo por dentro.
 
A frustração de quem foi ludibriado pela promessa de redenção sumária do país pode arrastar cabeças e decepar reputações conservadoras.
 
Há pouco mais de dois meses, Cristina Kirchner era um cadáver político na Argentina, que tem eleições presidenciais em outubro. A presidenta era acusada inclusive de tramar o assassinato de um juiz. Sem recuar, batendo de frente com a mídia conservadora e não cedendo ao mercadismo, ela virou o jogo.
 
Hoje Cristina tem 50% de aprovação; seu candidato Daniel Scioli, que lidera a corrida eleitoral, esteve na semana passada no Brasil para gravar o apoio de Lula à sua campanha.
 
Tucanos de alto coturno, como FHC, farejaram o perigo no ar e recomendam distância das ruas; outros tentam com sofreguidão ressuscitar uma bandeira que morreu na deriva do último domingo: a do impeachment.
 
A mídia uiva, mas há um cheiro de fracasso na operação ‘tudo ou nada’ desencadeada nos últimos meses.
 
O governo e o PT saberão, como Cristina, virar o jogo?
 
Como se sabe, na falta de votos, o conservadorismo convocou a guilhotina.
 
O medo e o ressentimento da classe média foram insuflados, depois, promovidos a juiz.
 
O glorioso jornalismo isento deixou a notícia momentaneamente de lado –como tem feito desde 2003-- para vestir o gorro ninja dos vingadores com a tocha na mão. Ou o microfone, o teclado, tanto faz no caso.
 
Cevada no capim gordura do preconceito e da semi-informação, educada pela emissão conservadora a dar as costas ao país real e aos percalços do desenvolvimento na desordem neoliberal, a classe média respondeu à convocação com a histeria dos programas de auditório.
 
A corrupção, como sempre, foi o bacalhau atirado para aguçar apetites vorazes.
 
Não faltaram capatazes desembaraçados no ofício de tanger o surto à seringa do antipetismo.
 
Na segunda volta da comitiva neste domingo, porém, a marca do ferro quente já não parecia bastante para garantir o alinhamento nos piquetes programados.
 
Aqui e ali surgem manifestações generalistas que afrontam os cânones diuturnamente emitidos pelos donos do berrante, a saber: a corrupção petista será sempre sistêmica; pontual, por natureza, é a conservadora.
 
Dissonâncias no script das delações da Lava Jato, ademais de imprevistos como a Operação Zelotes, sem mencionar o trensalão tucano, levantam a poeira da indiferenciação.
 
Quando o próprio higienismo exala podridão, quem garante a disciplina do tropel?
 
Um terceiro domingão verde amarelo reveste-se da incógnita típica das criaturas que podem escapar ao criador.
 
É hora de trocar o bacalhau e o jornalismo dos chacrinhas e chacretes por alguma coisa mais propositiva e rápida.
 
Qual? Esse é o problema.
 
Além de condenar a corrupção, elogiar a água encanada e a eletricidade, o que mais o conservadorismo tem a oferecer à encruzilhada do desenvolvimento brasileiro nesse momento?
 
O direcionamento de tudo no extermínio petista, que descarta até a reforma política, revela-se agora um chão mole, perigosamente capaz de engolir a pressa conservadora.
 
Sejamos francos, discursos em homenagem ‘à ordem espontânea dos mercados’, como o dos petizes do ultraliberalismo austríaco, que saltitam no alto do carro alegórico desse ‘Brasil Livre’, empolgam alguém, além dos redatores da Veja?
 
A léguas de ser um remanso para o PT, a verdade é que o mar tampouco se mostra amigável ao repertório conservador.
 
O aperto de mão entre os presidentes Raul Castro e Barack Obama na Cúpula das Américas, no último sábado, por exemplo, aleijou uma perna decisiva de seu pé de apoio no mundo.
 
O gesto condensa um simbolismo suficiente para estalar os ossos dessa turma.
 
Não importa que Washington acene a Cuba com uma mão e aponte a metralhadora para a Venezuela com a outra.
 
O implícito reconhecimento de que o cerco fracassou em relação à ilha de Fidel –e que ela não se dobrou no essencial--   desmoraliza a repetição da fórmula contra a Venezuela.
 
Não só.
 
A subserviência histórica da elite latino-americana aos EUA também não encontra mais amparo na pujança de um way of life que justifique seu projeto de um alinhamento carnal com o império.
 
O que os EUA tem a oferecer hoje, além do jogral da eficiência dos mercados desregulados, que a crise de 2008 mastigou e arrota na forma de uma indigestão sistêmica que já se arrasta por sete anos?
 
O que, além da ALCA recauchutada?  E cujo principal objetivo é injetar uma transfusão de demanda à combalida recuperação norte-americana, incapaz deslanchar para fora com o dólar forte, e para dentro, com a anemia de uma classe média cuja renda não cresce há 15 anos em termos reais.
 
Sugestivo dessa minguante é a campanha protagonizada agora pela atriz Gwyneth Paltrow.
 
Para divulgar a luta contra a fome nos EUA – o país tem 47,5 milhões de pessoas que ganham até 2 dólares por dia – ela topou a experiência de viver uma semana com um máximo de US$ 29.
 
Organizada pelo Banco de Alimentos de Nova Iorque, o desafio pretende denunciar o duplo corte no vale alimentação imposto pelo Congresso conservador, em 2013, que jogou mais famílias na insegurança alimentar.
 
Se é assim e se a meca recua agora diante de uma Cuba que estava programada para ruir junto com os irmãos Castro, o que sobra como referência de mundo ao conservadorismo verde e amarelo da Paulista?
 
Cuba era o coringa no qual se batia para acertar Lula, Dilma, Morales, Chávez/ Maduro, Cristina, Rafael, Mujica e outros.
 
Se, como disse Raul Castro na cúpula do Panamá, um país pequeno e desprovido de recursos naturais, pode construir uma cobertura universal de educação e saúde gratuita e de alta qualidade, ademais de garantir amplo acesso ao esporte e à cultura, direito à vida e à segurança. ‘Se em que pesem as carências e dificuldades’, agregou  Raul Castro, ‘continuamos a compartilhar o que temos, e mantemos 65 mil cooperantes cubanos trabalhando em 89 países, sobretudo nas áreas da medicina e da educação...’
 
Se com recursos tão escassos, Cuba fez tudo isso, cabe pedir licença a Raul Castro para transferir a sua pergunta aos brasileiros que desejam compartilhar um verdadeiro país: o que não seria possível  construir aqui com uma frente ampla progressista capaz de negociar e ordenar o passo seguinte do desenvolvimento?
 
Raul foi ovacionado ao final de sua fala no encontro do Panamá.
 
Quem na atual encruzilhada brasileira teria algo desse gigantismo a propor à sociedade para reerguer sua autoestima e superar o atoleiro que oscila entre o arrocho fiscal e a deriva dos domingões conservadores na Paulista?
 
À prostração petista cabe lembrar: Cuba é pouco maior que Santa Catarina.
 
Seu mercado limita-se a 11,2 milhões de pessoas.  As quatro letras de seu nome condensam, porém, um dicionário de experiências, de esperanças, de vitórias, de tropeços, de lições e de problemas no caminho da construção de uma sociedade mais justa e convergente.  
 
Os picos de desigualdade no capitalismo, e tudo o que isso significa em relação às formas de viver e de produzir em nosso tempo, reiteram a pertinência dessa teimosia que incomoda o conservadorismo, como ficou provado mais uma vez nas eleições presidenciais de 2014 .
 
Em um dos debates mais virulentos da campanha, o candidato conservador Aécio Neves trouxe a ilha para o palanque.  
 
O tucano acusou o governo da candidata à reeleição, Dilma Rousseff, de cometer duas heresias do ponto de vista do cerco histórico à audácia caribenha.
 
A primeira, o financiamento de US$ 802 milhões para a construção de um porto estratégico de um milhão de conteiners na costa cubana de Mariel, a 200 quilômetros da Flórida. Obra capaz de transformar Cuba em uma intersecção relevante no comércio entre as Américas, denunciada por Aécio como ‘cumplicidade do BNDES com o castrismo’.
 
A outra, a parceria na área da saúde, que trouxe mais de 11 mil médicos cubanos ao país, onde asseguram assistência a 50 milhões de pessoas.  Estigmatizado como um sistema de ‘escravidão de mão de obra cubana’, o ‘Mais Médicos’ teve a oposição canina de muitos que agora defendem o projeto de terceirização e desmonte dos direitos trabalhistas no Brasil...
 
O reatamento diplomático entre Havana e Washington adiciona ar fresco à impressionante resistência daquilo que se imaginava mais frágil do que tem se mostrado.
 
É um sinal significativo. Porém é mais que um sinal.
 
Agrega um punhado de arguições à transição de ciclo econômico em marcha na América Latina e, portanto, no Brasil nesse momento.
 
A terceirização do futuro como obra do arrocho, por exemplo, é a melhor escolha?
 
Não se discute a necessidade de ajustes macroeconômicos em meio a uma transição difícil da economia mundial.
 
Mas é inescapável a atualidade da lição embutida na travessia cubana que afrontou o fatalismo economicista com as armas hoje subestimadas por muitos dentro do governo.
 
Por maior que tenha sido a rigidez política de que se acusa a experiência cubana – que não se sustentaria se fosse esse o seu único esteio--  o fato é que ela só não virou pó graças ao planejamento público, à organização social, à consciência política e à formação cidadã de amplas camadas de seu povo.
 
Não se trata de minimizar o custo humano e social elevadíssimo desses sessenta anos de resistência ao cerco imperial. Mas de enxergar na experiência extrema da vulnerabilidade, o alcance mitigador da variável política, cuja força se faz reconhecida agora no reatamento diplomático norte-americano.
 
O retrospecto da épica caminhada do povo de Cuba fala aos nossos dias e à deriva que nos constrange.
 
Ao contrário da presunção que vê no degelo diplomático o atalho da conversão capitalista tantas vezes frustrada, a resistência pregressa enseja outras esperanças.
 
Livre da asfixia econômica, o discernimento político e social acumulado pela sociedade cubana figura talvez como o mais experimentado laboratório de ponta da história para resgatar o elo perdido do debate latino-americano sobre a transição para um modelo de desenvolvimento mais justo, regionalmente integrado, cooperativo, democraticamente participativo e sustentável.
 
Se Cuba desmentir a derrocada de seus valores, dará inestimável contribuição para fixar o chão firme capaz de desenferrujar essa alavanca histórica.
 
Não é pouco. E pode ser muito do ponto de vista do imaginário e da agenda regional.
 
Cuba soçobrou, mas não sucumbiu graças à vitalidade de sua organização política e social para enfrentar restrições equivalentes às de uma guerra, que se estendeu por sessenta anos, a mais longa de que se tem notícia no mundo moderno.  
 
Não há nisso um elogio à ilusão do paraíso caribenho.
 
Cuba continua a ser uma construção inconclusa, cujo futuro depende da integração latino-americana em curso.

O ESPETÁCULO DO GOLPE

Por Miguel do Rosário, no O Cafezinho

Lava Jato: O espetáculo continua

Mais uma vez, vemos um julgamento se dar inteiramente na imprensa. Qual o preço dessa irresponsável promiscuidade entre Ministério Público e mídia?



Miguel do Rosário
Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Agora entendo porque os procuradores da Lava Jato e o juiz Sergio Moro “pediram à mídia” para pressionar as instâncias superiores do Judiciário.


O espetáculo não pode parar. E tem de ser rápido, para confundir a opinião pública, produzindo um clima de caos.


A mídia sempre gostou de coisas rápidas e confusas, que ela controla em função das enormes equipes que só ela consegue mobilizar para manter o controle sobre esse tipo de narrativa.


As redes sociais, apesar de grandes e múltiplas (e justamente por serem tão múltiplas), e a sociedade civil, reagem atônitas e lentamente a esse tipo de escândalo. Não tendo um comando centralizado, precisam digerir as acusações, tentando separar o que é sério, o que é exagerado, o que é falso, o que é misturado indevidamente.


Depois de paralisarem as construtoras e firmas de engenharia que prestam serviços a Petrobrás, a “força-tarefa” formada por mídia, Moro e procuradores agora avançam sobre as maiores produtoras de vídeo do país.


E aí vazam, sem critério nenhum, planilhas de pagamentos, sigilos bancários, fiscais e telefônicos.


Moro mandou quebrar o sigilo de todos, mandou prender um monte de gente provisoriamente.


No Estadão, destaca-se o pagamento de R$ 200 mil da JBS à uma empresa dos irmãos Vargas. Uma coisa que não tem nada a ver com a Lava Jato.


Escondida no último parágrafo da matéria, encontramos a informação da JBS, afirmando que o depósito se deu por serviços prestados e a declaração do próprio juiz, que admite não ser “possível afirmar por ora que [os depósitos] eram destituídos de causa lícita”.


Não interessa. O espetáculo está dado.


Culpado ou não culpado, a condenação já está feita na mídia.


Mais uma vez, vemos um julgamento se dar inteiramente na imprensa.


Juiz comenta casos na mídia, sem respeitar minimamente a discrição que deveria guardar sobre o caso, e age notoriamente ao lado da acusação, sem demonstrar a mínima preocupação em salvaguardar direitos.


Quebrando sigilos indiscriminadamente, claro que o juiz e os procuradores encontrarão irregularidades.


Descobrirão mil tretas, muitas sem nenhuma ligação entre si.


Tretas que, ao invés de serem investigadas separadamente, são usadas para formar a teoria política que interessa à mídia naquele momento.


Os valores de notas fiscais e serviços prestados (ou não) são lançados na mídia com estardalhaço, ao lado de teses de acusação ainda sem nenhuma base concreta.


Empresários conhecidos na praça, que nunca demonstraram qualquer contrariedade em prestar depoimentos, recebem mandados de “condução coercitiva” para depor na PF. Isso quando não são presos sumariamente, sem ao menos acesso às acusações que se lhes fazem.


E tudo feito sob os holofotes histéricos da mesma imprensa que passou a convocar “manifestações de rua”.

Em outro momento, e por muito menos, quando a mídia não tinha domínio da narrativa, e, sobretudo, quando as operações não eram conduzidas por um juiz “premiado pela Globo”, ergueu-se na imprensa um grande clamor contra o Estado Policial.
 
Gilmar Mendes, ministro do STF, dava entrevistas diárias contra isso, e até hoje não se explica o “grampo sem áudio”, uma acusação feita por Mendes e Demóstenes Torres que serviu de base para demitir o então diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda.
 
Hoje a mídia assumiu o controle. O procurador que chefia a força-tarefa da Lava Jato vai almoçar na Folha. Outro afirma que a mídia precisa pressionar o Judiciário a julgar a toque de caixa.
 
Qual o preço dessa irresponsável promiscuidade entre Ministério Público e mídia?
 
Qual o objetivo?
 
Montar conspiratas políticas e espetáculo midiáticos?
 
Subsidiar uma narrativa cuja sinopse já foi previamente escrita?
 
A luta contra a corrupção, naturalmente, é essencial, mas o que dizer de operações anticorrupção manipuladas politicamente, feitas sem critério, investigando indiscriminadamente, quebrando sigilos de maneira generalizada, prendendo indivíduos muito antes de qualquer condenação?
 
Pior, prendendo gente que não representa nenhum perigo à sociedade, nem oferece qualquer obstáculo às investigações, apenas para oferecer um sacrifício humano à malta excitada?
 
Enquanto isso, na Operação Zelotes, o mesmo Judiciário nega sistematicamente todos pedidos de prisão temporária. Não se prende ninguém sequer por um dia. Já na Lava Jato, prisões “temporárias” duram seis meses.
 
Na força-tarefa criada pelo Ministério Público, para cuidar da operação Zelotes, os procuradores não podem se dedicar com exclusividade.
 
O juiz da Zelotes não ganha prêmio da Globo.
 
Sergio Moro já escreveu que admira a Operações Mãos Limpas, que resultou numa Itália destruída politicamente, com partidos criminalizados, um país entregue à extrema-dreita de Berlusconi, que controlava a mídia e, portanto, conseguiu se manter incólume das acusações.
 
Uma Itália que emergiu ainda mais corrupta do que antes.
 
Entretanto, ninguém lembra do mais importante: os traumas provocados pelos desmandos da Mãos Limpas fizeram a Itália debater e aprovar uma lei que responsabiliza juízes e promotores que extrapolam suas funções.
 
Por que a nossa imprensa não discute isso na opinião pública? O Cafezinho já escreveu sobre o tema, no post intitulado “Os perigos da delação premiada“.
 
O Conjur, site especializado em debates jurídicos, também alertou, recentemente, para o perigo dessas delações premiadas.
 
A entrega do prêmio Faz Diferença, da Globo, ao juiz Sergio Moro, já indicou que o caminho a seguir deve ser o mesmo das Mãos Limpas.
 
Não deveríamos ao menos aprender com os erros cometidos pelos italianos, debatendo o que eles fazem hoje para se salvaguardarem contra histerias judiciais?
 
Afinal, quem vigia os vigias?