sábado, 4 de outubro de 2014

E A MISS BRASIL, HEIN?

A recém eleita é uma cearense, bonitinha como toda miss, e dona de um sorriso também bonito. Mas uns idiotas andaram fazendo comentários estúpidos sobre sua condição de nordestina. Daí, uma carta aberta de uma outra jovem, bonita, jornalista, nordestina. Gostei. (do Diário do Centro do Mundo)


Carta aberta aos ofensores de Melissa Gurgel e do povo nordestino



Postado em 03 out 2014
Vítima de trolagem obscena
Vítima de trolagem obscena
Sou nordestina mesmo. Com direito a sotaque arrastado e tudo. Não tenho cara de cidadã francesa, falo “oxente” todo dia e não me considero nem um pouquinho menor do que esses sulistas metidos a besta que têm depreciado a origem cearense da Miss Brasil recém eleita e o povo nordestino como um todo.
E não é de hoje que me enojam esses episódios de injúria virtual contra o povo de minha terra.
Só esperei, roendo as unhas, um momento em que a oportunidade pudesse me presentear com a atenção de vocês, já que, inevitavelmente, todo esse preconceito nojento seria algum dia inescrupulosamente destilado em rede nacional. E o foi, infelizmente.
O sangue nordestino que me corre nas veias – deste povo acolhedor e cheio de amor pra dar – não me deixaria responder a estas ofensas com outras ofensas. Basta-me, entretanto, responder com as maravilhas que o meu povo tem, que só tornam mais cristalina a repugnante ignorância daqueles que depreciam o povo nordestino. Pois bem.
Sou o nordeste de Gonzaguinha e de Gonzagão, que nos representam muito mais e muito melhor que as cantoras francesas apreciadas por estes tantos brasileiros desabrasileirados.
O Nordeste de Jorge Amado e Gregório de Matos. Sou o nordeste de Tom Zé, cuja genialidade talvez não se adeque à mediocridade das mentes pequenas dessa gente que diz que não temos nada de valioso.
Melissa-Gurgel-miss
A impressão que tenho é que todo esse ódio irracional de alguns brasileiros contra outros decorre da ideia de que a própria brasilidade, em seu sentido mais íntimo, é motivo de negação.
Quando vejo sulistas – muitos deles moradores de lugares, ao seu ver, com cara de Europa – falando, aos quatro ventos, que “pensava que no Nordeste só havia gente feia”, penso no quanto estas pessoas precisam, urgentemente, se aceitar enquanto povo brasileiro.
Sou o Nordeste de Raul Seixas. É, Raulzito, que prefere ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. O cara das canções imortais entoadas por um monte de sulistas preconceituosos metidos a besta que falam mal do nordeste nas redes sociais sem sequer desconfiar a honrosa origem de seu ídolo.
Aprender a gostar da própria cultura, das próprias raízes, compreender que o povo nordestino – que tanto julgam feios, pobres, ignorantes e inferiores – são, também, o retrato da brasilidade que tanto lhes diz respeito, embora dificilmente compreendam.
E que nossa cultura, nossa música, nossos artistas conterrâneos e nosso povo têm um valor imenso e invisível aos olhos de brasileiros pseudoeuropeizados e cegos pela ignorância.
Por que, lamentavelmente, o Brasil está para o mundo como o Nordeste está para o Brasil: subjugado e inferiorizado, mas que guarda uma riqueza cultural (e de muitas outras ordens) incomensurável.
Melissa-Gurgel-miss
É como se o povo brasileiro que se coloca neste lugar de superioridade em relação aos nordestinos não enxergasse como o mundo os coloca em um lugar de inferioridade enquanto brasileiros. E o quanto negar isto não vai resolver nada.
E se não compreendem isto, e tampouco se aceitam como povo brasileiro, que parem de destilar isto nas redes sociais como se fosse natural.
Que guardem para si o intragável sentimento de superioridade até que ele dê conta de enforcá-los. Por que o preconceito tem muitas faces, todas elas abomináveis. E, principalmente, por que quem não se aceita, uma hora precisa se engolir a seco.
E para todo aquele que, de alguma forma, já sentiu-se preconceituoso em relação a qualquer canto do Brasil – ainda que, por vergonha ou covardia, não o tenha demonstrado, meu recado é apenas um, com o sotaque baiano do qual não abro mão: assumam o samba, assumam o sangue negro, assumam essa brasilidade, por vezes, tão nordestina.
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Nathali Macedo
Sobre o Autor
Atriz por vocação, escritora por amor e feminista em tempo integral. Adora rir de si mesma e costuma se dar ao luxo de passar os domingos de pijama vendo desenho animado. Apesar de tirar fotos olhando por cima do ombro, garante que é a simplicidade em pessoa. No mais, nunca foi santa. Escreve sobre tudo em: facebook.com/escritosnathalimacedo

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