terça-feira, 29 de abril de 2014

UMA HISTÓRIA SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DA ELETRICIDADE EM SÃO PAULO

Em 1994, no intervalo entre o primeiro e segundo turnos da eleição para governador, Mário Covas enfrentava Paulo Maluf, e procurava o apoio do PT e da CUT. Como membro da equipe de plano de governo de Lula, candidato que não conseguiu passar para o segundo turno, participei de uma reunião de sindicalistas com a equipe de Covas, que incluía David Zylbesztajn, que também era professor do IEE, onde eu colaborava como professor sem vínculos formais com a USP. 

Participaram dessa reunião Ildo Sauer, também professor do IEE, e Rogério da Silva, que era do PT e colega da CESP, além de componentes do Sindicato dos Eletricitários de Campinas, como o presidente Artur Henrique, e Wilson Marques. Representávamos os sindicatos da CUT e o PT. Fernando Henrique Cardoso havia sido eleito em primeiro turno, e já começava a antecipar seus propósitos de acelerar a privatização de serviços públicos que havia sido iniciada por Collor e tinha tido um intervalo durante o interregno de Itamar Franco, seu vice que assumiu depois do impeachment. 

Algum tempo antes, Ildo havia visto um fax recebido por David, da campanha de Covas, em que alguém da coordenação falava sobre privatização como uma das diretivas do FMI, e adotava esse processo justamente pelas instruções do FMI. O documento era potencialmente explosivo, porque mostrava uma equipe de governo comprometida com um órgão estrangeiro que representava (como ainda o faz, um pouco menos) o interesse dos EUA e outras potências econômicas a eles aliadas.

Ildo mostrou-me o fax. Tinha a intenção de usá-lo para denunciar a subserviência da campanha do PSDB frente a interesses estrangeiros, mas eu fui contra, considerando que se tratava de uma bisbilhotagem contra um colega, uma ação indigna de nossa parte. Por esse motivo ou por outro qualquer, Ildo não foi adiante em sua intenção de expor o fax. Depois do que os tucanos fizeram, hoje, em circunstâncias similares, eu tenderia a ser menos cavalheiresco. Pensaria talvez em vazar o documento para algum jornalista honesto e de prestígio (não confio em partidos, entidades muito cheias de compromissos).

Mas lá estávamos nós, em uma casa do Jardim Guedala em São Paulo, sede da campanha de Covas, em uma reunião com o David. Covas precisava, queria nosso apoio, Maluf estava forte. Os representantes da esquerda lá reunidos queriam um compromisso de que se eleito Mário Covas não privatizaria as empresas de energia pertencentes ao estado de São Paulo: CESP, CPFL e Eletropaulo. Depois de alguma hesitação, David retirou-se para telefonar a seu chefe Mário Covas. Voltou alegando que o candidato havia concordado, e a reunião selou o apoio que acabou sendo dado, que certamente foi indispensável para a sua vitória no segundo turno.

O resto é história. Nossos companheiros de jornada entre o primeiro e o segundo turnos traíram-nos sem cerimônia e sem aviso e começaram a privatização das empresas de energia desde o primeiro dia de governo. O vice de Covas, Geraldo Alckmin, tornou-se o coordenador do programa de desestatização do estado de São Paulo. O diabo é que não dava para apoiar o Maluf, não o PT da época, não eu jamais, e os tucanos sabiam disso. Para a privatização contaram, como contam até hoje, com o apoio incondicional do PIG e do poder financeiro internacional e doméstico.


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